Desde a sua primeira temporada, The Crown teve o compromisso e o cuidado de mostrar muito mais que imaginamos dos mistérios e do glamour por trás da monarquia britânica e toda a família real. As temporadas anteriores cresceram assim como seus personagens, dando caminhos e poderes individuais a narrativa de cada um.
Já a quarta temporada é um rompante de ações e uma quebra de hegemonia – e de amor – pela família real. Os detalhes e a atenção dados aos novos personagens, como Margaret Tatcher e Princesa Diana, fazem com que os personagens antes totalmente idolatrados possam ser odiados e amados, pela analise de suas ações que são baseadas em regras, promessas, e desejos.
Me lembro que ao ver os primeiros episódios da primeira temporada sempre tinha a mão a pesquisa no Google para saber de fato quem era determinado personagem. Com a avançar dos anos, passamos a reconhecer muitos e imaginamos que o que sabemos sobre cada um é o suficiente. Não é! A quarta temporada vem esmiuçar a narrativa de cada um, dando visões que jamais pensaríamos de determinadas pessoas.
Margaret Tatcher por exemplo, sempre é consumida por ter sido a grande “Dama de Ferro”, uma mulher pela qual os britânicos se dividem em amor ou ódio absoluto e por ter sido sempre aguerrida e ferrenha na política mundial. Mas ela também era mãe de gêmeos, nunca foi nobre e cresceu na vida por mérito próprio. Ver essa contraprova da personagem nos faz entender (as vezes) o motivo pela qual ela é tão fria, direta e muitas vezes, ignorantemente, emblemática. Gillian Anderson, tão famosa por Arquivo X, consegue em cada cena, em cada frase ser Tatcher, de corpo e alma. Inclusive vale a pesquisa por alguns discursos da verdadeira Tatcher na internet em comparação à personagem para se ter a real noção da qualidade de interpretação.
Por outro lado a Princesa Diana, que era com certeza uma das personagens mais esperadas pelos fãs da série, justamente por ser alguém tão querida e amada pelo mundo todo até hoje, por toda sua vida e ações que ainda ecoam, é maravilhosamente interpretada Emma Corrin. Mas Lady Di não é só amor, moda, glamour e um exemplo de mãe. Ela também tem suas nuances, e seus aversos. Os detalhes de como ela amava ser amada (pelo povo) e de como fazia para que a atenção fosse voltada à ela, nos deixam questionamentos de que ela também era fruto do glamour em boa parte das ações que fazia. Muitas, obviamente que poderiam ser condenadas, mas por se viver no meio da família real, sendo esposa do príncipe de gales, são até justificáveis!
Os episódios criam uma crescente de ações envolvendo como o núcleo real, sempre comandado pela Rainha (Olivia Colman), faz com que todas as ações, e implicações dessas ações, nunca tragam algum problema para eles. Mesmo que elas sejam, alguma vez, absolutamente condenáveis e perversas. Colman, que encerra sua participação na série, deixa sua marca como a rainha de meia idade que com a vida regrada a regras e obrigações, e com inúmeros problemas no círculo íntimo de sua família a deixam cada dia mais fria e avessa aos demais.
Além dela, Princesa Margaret (Helena Bonham Carter) tantas vezes deixada de lado pela núcleo familiar, tem alguns destaques importantes na temporada, e, acreditem, é dela uma das ações mais humanas na história.
É estranho imaginar que, não por amor a Diana, ou pelas dúvidas da vida dura de Tatcher possamos agora “odiar” a rainha por suas ações, que, desde a primeira temporada são tomadas para fruto dos seus, mas que aceitávamos.
Já Charles é com certeza o membro real mais odiado, e isso deve ecoar ainda hoje por suas ações da época perante a sua família e com sua amante Camilla Parket Bowles (Emerald Fennel). Josh O’Connor consegue fazer que a figura caricata do príncipe de gales tenha ênfase em suas ações e consegue posicionar ele como membro importante na temporada, na família e na trama, muitas vezes suja, da monarquia.
Fora tudo isso, a série mantém toda a beleza de criação e fotografia já conhecida nas temporadas anteriores. Cada detalhe, dos gramados dos castelos, aos pires de cada xícara em cena, são extremamente belos. O tom noir exibido em muitas cenas embelezam ainda mais a crescente aflição por vários motivos em cada episódio, fazendo desta uma temporada lindamente sombria.
A quarta temporada de The Crown vem como um divisor de caminhos e sentimentos do público, justamente pelas pessoas que amávamos ver nas temporadas anteriores. Ela é pesada, suja, confidente e extremamente bem construída. Continua ainda para mim como a melhor série da atualidade, e vai, com certeza, muda a opinião e o amor de muita gente pelo “glamour” e adoração ao círculo íntimo da coroa britânica.
Os episódios já estão disponíveis na Netflix.