A forma mais correta de se abordar um filme de David Leitch é justamente se aliar com esse desgarramento do sério. Temos aqui mais uma obra com a cara do diretor, um longa de ação irreverente e provido de momentos estúpidos com seus personagens. Pode parecer brutal esse resumo, mas justamente pela honestidade da obra é possível tirar um bom entretenimento nessa viagem de duas horas pelo veloz trem do Japão.
Joaninha (Brad Pitt) é um assassino azarado que está quase desistindo de sua carreira após diversas missões saírem dos trilhos. No entanto, ele é convocado por sua supervisora para coletar uma maleta em um trem bala da rota de Tóquio. Só que mais uma vez seus planos não saem como esperado, quando ele encontra outros adversários letais que possuem objetivos conflitantes.
Adaptação do romance de 2010, de Kotaro Isaka, com mesmo nome. A semelhança das duas obras é perceptível: enredo acelerado, assassinos coloridos l, alta dose de violência e humor atrevido. O autor original Isaka desejava que sua obra pudesse ser adaptada para o circuito americano. Segundo o próprio, o contexto original japonês não importava para a adaptação. A decisão em transformar a obra em um filme 100% americano veio de decisão comercial, apesar do sucesso de mangás e animes fora do país, poucos filmes com elenco inteiro oriental se tornaram sucessos internacionais nos últimos anos (vide Parasita ou Drive My Car), muito mais pela qualidade dos longas do que sucesso financeiro. Mesmo assim, a diversidade de atores é perceptível durante todo o filme, uma mudança muitas vezes origina uma solução que agrega mais ainda para o produto final.
Após essa contextualização da obra, o filme de Leitch funciona basicamente em uma espécie de Deadpool sem Deadpool, uma junção de grande elenco, ação desenfreada e humor irônico. É notável que o diretor se tornou um “querido” de Hollywood no quesito filme de ação (muito por conta dos enormes retornos financeiros), então sua fórmula de construir as cenas de ação é uma mistura da violência de “Atômica”, mas sem a criatividade absurda das cenas. E também traz a pegada exagerada de filmes como “Hobbs e Shaw” e “Deadpool 2”. Coincidentemente traz também um problema parecido com outros longas de sua carreira: a dificuldade de balancear o humor. Acredite, a diversão desapegada do filme é muito palpável, o elenco carismático ajuda no caminho, mas o diretor passa sensação de alongar demais algumas piadas e tons, inclusive a duração é afetada por isso, a puxada do confronto do terceiro ato cansa seu público e tira um pouco do mérito da diversão que o filme quer te passar.
É muito comum em Hollywood, filmes que possuem um elenco grande de famosos cair naquele velho problema de balanceamento de tempo, pouco aproveitamento de seus talentos. Aqui isso acontece, mas de forma menos negativa do que o esperado, existem surpresas de pequenas aparições ao longo da jornada (comum do diretor). Inclusive os trailers do filme acabam que entregando a surpresa de alguns atores, felizmente quem não se importa com a divulgação do material pode tirar proveito disso. Algumas aparições são deixados para o final mesmo e possuem muito pouco tempo e uso, apesar do sentido do filme ser o cômico, as piadas muitas vezes não chegam no nível que o roteirista deseja passar.
O elenco é bastante carismático, Brad Pitt não usa todo o potencial de seu personagem, mas diverte com a brincadeira de má sorte que sua figura apresenta ao longo do filme, não por acaso seu nome “Joaninha” é escolhido por sua chefe. Aaron Johnson e Brian Tyree Henry são Tangerine e Lemon, considerados como assassinos “gêmeos” e possuem uma ótima química, a brincadeira envolvendo os personagens de “Thomas e seus amigos” traz mais aproximação aos dois com o público, talvez os atores que mais parecem se divertir no filme. O resto do elenco funciona no geral, balanceando entre o divertido e esquecível. Um detalhe negativo durante a jornada no trem, é que acontecem diversos absurdos durante os vagões, e as reações da tripulação comum é bastante limitada, um momento ou outro acontece, mas no geral é nulo.
Trem Bala é certamente um dos filmes de ação já feitos, mas isso não o impede de ser uma boa opção de entretenimento. A narrativa é rápida e bastante palpável para o público, a ideia de grande parte do filme se passar durante um trem é chamativa. O grande elenco será um dos responsáveis pelas qualidades do longa e no final das contas você termina com uma sensação boa, um sorriso no rosto. Em meio a tantas decepções durante o ano, esse produto totalmente honesto é uma boa pedida para se divertir durante duas horas, mesmo que esse veloz trem pareça em alguns momentos um caótico final de tarde na estação da Sé.