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    Crítica | Uma Ideia de Você

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    Quando refletimos sobre o estado atual do cinema, é difícil não perceber a padronização do gosto e como esse gosto é construído pela classe dominante. A formação do gosto por essa classe hegemônica refere-se à maneira como os padrões estéticos e culturais predominantes em uma sociedade são influenciados e perpetuados pelas elites. Isso ocorre de diversas maneiras. Primeiramente, a classe dominante tem acesso privilegiado aos recursos culturais, como museus, teatros e cinemas, permitindo-lhes moldar as tendências culturais. Em segundo lugar, controlam os meios de comunicação de massa, determinando quais formas de arte e cultura recebem mais visibilidade e influenciando as preferências do público. Pierre Bourdieu introduziu o conceito de “capital simbólico”, que se refere ao prestígio associado a certas formas de cultura e arte, consolidando o poder das elites. Embora as preferências culturais possam mudar e haja espaço para culturas independentes desafiarem os padrões estabelecidos, o controle dos recursos culturais ainda confere à classe dominante um papel importante na definição do que é culturalmente valorizado em uma sociedade.

    A análise da construção do gosto no cinema nos leva a considerar especialmente o controle da classe hegemônica, representada por Hollywood, que desempenhou um papel significativo na formação da estética cinematográfica contemporânea. Ou seja, como epicentro da indústria global, Hollywood exerce uma influência marcante na definição dos padrões estéticos, narrativos e temáticos que predominam no cinema atual. Esse protagonismo permitiu que Hollywood estabelecesse certas normas e convenções que, por sua vez, moldaram o que é amplamente reconhecido como “bom cinema”.

    Uma das tendências mais notáveis nesse processo foi a ascensão do realismo como uma estética valorizada. Esse realismo se manifesta tanto na técnica, buscando uma representação mais fiel da realidade na obra, com a redução progressiva de cores e o uso frenético de efeitos práticos, muitas vezes por uma espécie de fetiche, quanto na crescente seriedade do conteúdo das obras. É nesse último ponto, por exemplo, que observamos o declínio dos filmes besteirol, musicais e das comédias românticas, gêneros que permitem certa leveza ou até mesmo um toque de breguice e fantasia, contrastando com a ideia preconcebida de seriedade e complexidade que permeia muitas produções contemporâneas.

    O novo filme da Prime Vídeo, dirigido por Michael Showalter, apresenta a história de uma mãe solteira de 40 anos que se envolve romanticamente com um cantor de 24 anos de uma boy band. A premissa por si só é cativante, combinando elementos “clássicos” e “modernos” de uma boa comédia romântica. Uma Ideia de Você parece abraçar essa dualidade no início, não se levando excessivamente a sério e orgulhosamente abraçando sua natureza um tanto brega, especialmente por ser baseado em uma fanfic.

    O filme de Showalter no início brinca com a cinematografia, utilizando diferentes planos e divisões de tela, além de movimentos de câmera que provocam reações diversas nos espectadores, desde desconforto (vergonha alheia) até risos. Os diálogos cafonas e as músicas melodramáticas complementam essa atmosfera, contribuindo para uma comédia romântica que abraça os clichês de forma consciente de sua breguice. Assim, Uma Ideia de Você tenta engatar nos primeiros minutos seu objetivo de aquecer os corações dos fãs de fanfics, criando uma experiência que entrelaça forma e conteúdo de maneira eficaz, resultando em uma comédia romântica besteirol que diverte e encanta seu público-alvo.

    No entanto, à medida que o filme avança, torna-se evidente uma perda gradual de sua essência, e é aqui que a discussão sobre a padronização do gosto, mencionada anteriormente, se torna relevante. Possivelmente influenciado pela tendência de realismo estéril que Hollywood promove como o paradigma do “bom cinema”, obras como Uma Ideia de Você parecem hesitar em abraçar completamente sua natureza brega. O filme, então, começa a adotar ideias mais frias e “reais”, explorando temas mais complexos. Não que comédias românticas ou filmes besteirol não possam abordar assuntos profundos, mas a estética não necessariamente precisa ser sacrificada para isso. Quando Uma Ideia de Você assume uma abordagem diferente, desconecta-se do espectador, transformando-se em algo distinto ou em algo algoritmizado.

    Essa mudança de tom pode ser interpretada como uma tentativa de se adequar aos padrões dominantes do cinema contemporâneo, onde a seriedade é muitas vezes valorizada em detrimento da cafonice. No entanto, ao fazer isso, o filme arrisca perder o que o tornava único e cativante. A beleza das comédias românticas e dos filmes besteirol reside justamente na sua capacidade de equilibrar temas profundos com momentos de humor e escapismo, sem comprometer sua identidade estética e formal. É como se o filme nunca conseguisse atingir o seu potencial, estagnando em um formalismo completamente padronizado e sem identidade.

    Portanto, é importante questionar até que ponto a busca pela legitimidade dentro da indústria do cinema pode levar à perda da originalidade e/ou autenticidade de uma obra. Uma Ideia de Você exemplifica essa tensão entre a conformidade com as expectativas do mercado e a manutenção de uma voz “criativa” distinta. É intrigante perceber que, mesmo sendo um filme repleto de clichês, Uma Ideia de Você parece não se permitir abraçar plenamente sua própria ideia. A obra, que poderia encontrar sua força justamente na familiaridade dos clichês do gênero, parece hesitar em se entregar completamente a eles.

    Esta hesitação pode ser interpretada como uma tentativa de se distanciar dos estereótipos associados às comédias românticas e aos filmes besteirol, embora os estereótipos ainda estejam presentes, é crucial entender que sua relevância vai além da simples existência, pois não se trata apenas das ideias em si, mas de como elas são apresentadas diante da câmera. Mais do que isso, trata-se da perspectiva do autor e de como ele decide retratá-las. Assim, surge uma questão importante sobre a necessidade de os filmes reconhecerem sua identidade e singularidade, mesmo que isso signifique abraçar os clichês típicos de seu gênero, sem a obrigação de ser o que a classe hegemônica denominou como bom. Afinal, é justamente essa autenticidade que pode tornar uma obra memorável e impactante para seu público.

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    ANÁLISE GERAL
    NOTA
    E aí, galera! Eu sou o Caique Henry, um amante da arte que adora dar uns pitacos sobre cinema. Loucamente apaixonado pelo cinema de gênero, posso ser considerado o crítico de cinema mais legal do país.
    critica-uma-ideia-de-voce Quando refletimos sobre o estado atual do cinema, é difícil não perceber a padronização do gosto e como esse gosto é construído pela classe dominante. A formação do gosto por essa classe hegemônica refere-se à maneira como os padrões estéticos e culturais predominantes em...
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