ter, 5 agosto 2025

Crítica | Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda

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Alguns filmes, de tanto serem reprisados em emissoras abertas, locadoras e canais por assinatura na primeira metade dos anos 2000, acabaram cristalizando uma pequena identidade daquela época. Sexta-Feira Muito Louca — título mais nacional impossível para Freaky Friday — insere-se num momento em que a Disney e outros grandes estúdios investiam pesado em produções voltadas ao público familiar, combinando elementos de fantasia com dramas adolescentes. O filme surge como um diálogo direto com a ascensão da cultura teen no início do século XXI, alimentada pela MTV, pelo pop adolescente e por fenômenos de bilheteria como Meninas Malvadas. O longa-metragem de Mark Waters representou um esforço de Hollywood em revitalizar narrativas clássicas por meio de remakes que atualizavam temas e personagens para um público conectado a novas linguagens e referências culturais. Não por acaso, trata-se de uma releitura de um longa homônimo de 1976, adaptado para um contexto de consumo midiático mais ágil. 

22 anos depois do divertido filme protagonizado por Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan, as atrizes retornam em uma continuação que nasce com o mesmo desafio que o remake de 2003: adaptar-se às mudanças em ritmo e linguagem que à primeira vista soam mais rápidas que as acontecidas entre o primeiro filme e o remake. Agora Anna (Lohan) e Tess (Curtis) precisam lidar não com a troca de corpos entre si, mas com duas jovens que fazem parte da nova configuração familiar. Nisha Ganatra, diretora dessa continuação, toma para si a missão de não apenas mexer algumas peças para fazer um novo filme, mas de, efetivamente, criar um filme novo a partir dessas personagens. Explico: a Disney está acostumada a refazer seus grandes sucessos a fim de garantir uma boa bilheteria e, para isso, apenas refaz seus filmes com alguma pontual mudança. 

Por parte da indústria, não há qualquer interesse em renovar histórias, mas apostar na nostalgia para não apenas blindar o filme de críticas do público quanto para garantir a presença destes nas salas de cinema e na plataforma de streaming. Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (viva as traduções brasileiras!) tem todos os possíveis componentes para que isso aconteça, porém Ganatra escapa de todos os entrechos óbvios e cria um filme que é divertido, bem-humorado e que cabe perfeitamente dentro do que se espera de um produto criado para a nova juventude. 

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Então, a montagem parte da rolagem do feed, as redes sociais entram em piadas geracionais, as pautas identitárias se tornam tanto um movimento de adequação da própria indústria como um fomento de sacadinhas que se destacam pelo momento em que ele é dito — quando não, por quem é dito. E, claro, a nostalgia não poderia ser ignorada, mas Ganatra é muito eficaz na forma que emula certas decisões estéticas e de imagem que não reproduzem exatamente a mesma coisa, mas faz lembrar pelo trabalho com o humor. Se a linguagem dos clipes e da televisão a cabo moldou o ritmo e a estética do remake de 2003, aqui o que se nota é a influência direta do conteúdo digital e da lógica algorítmica que define o que é popular — e por quanto tempo. 

A narrativa absorve essa aceleração sem perder de vista o coração da história (eis aqui seu maior trunfo): a relação entre gerações, o choque de perspectivas e a redescoberta da empatia. Essa costura entre passado e presente, embora inevitavelmente guiada por uma estratégia comercial, encontra momentos de frescor que são genuínos. A direção de Ganatra, atenta a essas nuances, demonstra que é possível trabalhar dentro de um projeto voltado para o consumo rápido e ainda assim criar algo que dialogue com a sensibilidade contemporânea. Ao fim, Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda cumpre seu papel duplo: satisfaz a memória afetiva de quem cresceu com o filme de 2003 e, ao mesmo tempo, oferece um espelho atualizado para o público jovem de hoje, equilibrando o peso da nostalgia com a leveza de uma comédia pop feita para um tempo em que tudo — até mesmo um dia trocando de corpo — parece passar mais rápido.

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