sáb, 27 abril 2024

Crítica | Vai ter Troco

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O Brasil é um país desigual, isso não deveria ser novidade para ninguém que aqui vive. A arte é uma das formas que temos para comentar sobre a realidade e, muitas vezes, para sensibilizar as pessoas sobre um determinado tema. Neste cenário surge uma comédia que pega a situação social e política que viveu o Brasil nos últimos anos e tenta, partir disso criar humor, mas a que custo? O filme em questão é Vai ter Troco, dirigido por Maurício Eça.

Na história acompanhamos Tonha, uma empregada de uma família rica que está passando por uma série de dificuldades para se sustentar uma vez que seus patrões parecem estar mais preocupados em manter uma aparência de riqueza do que em lidar com uma iminente crise que bate à sua porta. Salários atrasados e humilhações recorrentes causam um clima de mal estar entre os funcionários (dando destaque também para o motorista Nivaldo e a governanta Zildete) mas tudo muda quando um esquema de corrupção envolvendo seus patrões se revela.

O filme pega o contexto que em muito se assemelha a escândalos muito reais da história política recente brasileira e tenta criar uma narrativa de “dar o troco” pela perspectiva dos funcionários e cidadãos oprimidos, o que na tese vem com boas intenções, o maior problema é que não só o humor que guia o tom do filme soa extremamente antiquado e por vezes muito inapropriado (não no sentido moralista mas no de contexto temporal e de país mesmo) quanto a ingenuidade que certos temas são abordados dá a entender que é uma perspectiva que vem de alguém que observa de fora e imagina o que uma pessoa naquela situação faria ou viveria, vindo quase sempre com tom de caricatura independente do núcleo. A caricatura em si pode ser bem aplicada, ainda mais quando a intenção é a de criticar mas na medida em que os personagens principais também soam como caricaturas e o filme em si não abraça o esdrúxulo como linguagem até o fim, tudo soa um tanto superficial quando momentos de drama aparecem para tentar contrapor o cômico.

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O vai e vem entre o cenário da elite e a vida na periferia tenta criar o contraste de um ambiente de encenação, de jogos de interesse e anestesiamento para a realidade com um segundo ambiente mais naturalista, com um melhor equilíbrio entre o sério e o cômico mas a caracterização dos personagens que transitam por esses lugares torna difícil a conexão com o elemento mais humano do filme. Humor sempre será subjetivo mas esse longa segue uma cartilha do que seria considerado engraçado talvez 15 anos atrás em programas que na época faziam sucesso mas parece totalmente fora de sintonia com o mundo de hoje e ao colocar certos diálogos na boca dos personagens sem um recorte para os dias de hoje ou uma contraposição acaba endossando alguns discursos que são bem nocivos, com questões que envolvem inclusive sexualidade, assunto muito em voga.

O filme ainda encontra uma forma de mediação entre os núcleos ao aproveitar da relação afetiva que muitas vezes se forma em um ambiente de trabalho doméstico e consegue algum lapso de sentimentalismo genuíno mas parece muito pouco para uma história que se contenta com o mínimo para construir uma conexão entre espectador e personagens. A conclusão vem em com um sabor agridoce mais por um sentimento de não utilização de determinados arcos para chegar a algum lugar, assuntos são escanteados ou encontram um fim questionável para dar lugar a ideia de que a justiça com o povo está feita.

Em um momento no qual se discute a aplicação de Inteligência Artificial na cultura, Vai ter Troco soa como uma produção que parece gerada por algoritmo para encontrar caminho em meio a tantas outras no mercado, o que é uma pena pois o assunto é rico e o que não faltavam eram possibilidades.

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Fabrizio Ferro
Fabrizio Ferrohttps://estacaonerd.com/
Artista Visual de São Paulo-SP
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