sáb, 21 dezembro 2024

Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

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É curioso lembrar que o primeiro Venom (2018) tenha saído justamente no ano da primeira parte do grande final da saga dos 10 anos do Marvel Cinematic Universe (MCU). Enquanto em Guerra Infinita (2018) entregava toda a expectativa criada pela longa estratégia midiática da casa das ideias, culminando no final previsível de Ultimato (2019), a Sony, com o retorno aos holofotes devido à participação do Homem-Aranha nesses filmes da Marvel, resolve utilizar seu personagem análogo ao aranha e o apresenta num movimento contrário às rédeas conceituais de universos cinematográficos, em uma proposta cômica assumida e muito mais divertida que as “sacadinhas” já conhecidas desses filmes.

Aos moldes de comédias oitentistas centradas no absurdo, Venom subverteu uma concepção dos filmes de quadrinhos ilustrando um lado mais paródico envolvendo o argumento da situação. Seu verdadeiro trunfo é pegar a ligação entre Eddie Brock (Tom Hardy) e o simbionte e transformá-la em uma relação amorosa. Como não lembrar do momento em que Annie (Michelle Williams), transformada em uma versão feminina de Venom, beija Eddie para devolver seus poderes. Não era a antiga parceira que deu o beijo em Eddie, e sim, o simbionte.

É nesse momento que Venom se assume como uma comédia romântica e, como todo filme nessa lógica, necessita de uma crise para selar o amor entre os dois. O subtítulo Tempo de Carnificina até faz sentido devido à presença do vilão Cletus Kasady (Woody Harrelson), serial killer que posteriormente se tornará o vilão que dá nome a sequência, mas o que melhor definiria essa sequência seria: “Homem-Aranha 2 (2002) dentro de uma terapia de casal”. Toda a problemática que envolvia as dificuldades de manter o traje utilizado no glorioso filme de Sam Raimi foi realocada para uma ruptura no relacionamento entre os dois. Imagine a cena em que Peter Parker (Tobey Maguire) joga o uniforme no lixo. Agora, imagine o uniforme se revoltando, quebrando as coisas e indo parar numa festa à fantasia, cheias de colares com cores neon e discursando sobre aceitação.

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Divulgação Sony Pictures

Nessa abordagem entre cônjuges, Venom: Tempo de Carnificina consegue centralizar seus assuntos em uma visão casamenteira entre os personagens. Enquanto temos a crise entre Eddie e Venom, Cletus parte em busca por sua amada, Frances Barrison, (Naomi Harris) que está presa em Ravencroft. A cena envolvendo a escapada remete aos clássicos dos bandidos apaixonados, desde o conversível em alta velocidade, até as vestimentas de Harrison que fazem um aceno aos bad boys dos anos 50. O intrigante dessa relação de vilões apaixonados se destaca pela incompatibilidade entre as partes. Frances tem o poder de gritos supersônicos que atingem o simbionte (fraqueza apresentada no primeiro filme) e, na cena final, situada em uma igreja, o casamento entre os dois não funciona. Em contrapartida, a união entre Venom e Eddie é apresentada como perfeita, de benefício mútuo para ambos, assim como é a relação que deu origem à denominação “simbionte”. Nas entrelinhas, a sequência final serve como o firmamento do matrimônio entre humano e alienígina, ao passo que inviabiliza as relações heteronormativas.

Apesar de uma direção tímida em seu terceiro trabalho como diretor, Andy Serkis utiliza desse espaço para firmar o lado espirituoso da franquia em um perceptível enfrentamento aos fãs mais fervorosos de quadrinhos. Se a imagem de Venom remetia a uma sombra gigante com um sorriso assustador, o personagem aparece menos consistente, sendo projetado por um CGI sem medo de parecer artificial e com a facilidade de equiparar os cérebros humanos à chocolates. A piada não funciona apenas como uma autoparódia, mas também como um comentário ao processo minimamente calculado envolvendo outros filmes de quadrinhos, idealizados para agradar ao público e segmentar as influências entre os filmes. O maior exemplo disso é o recente Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis que foi pensado para o mercado chinês e corre o risco de nem ser exibido por questões ideológicas dos seus elaboradores, enquanto Venom: Tempo de Carnificina é uma das estreias mais aguardadas do ano no país.

Divulgação Sony Pictures

Assim como toda arte não pode e nem deve agradar a todos, Venom parece culminar tudo que mais irrita o público de quadrinhos em uma clara objeção aos caminhos tomados pelo mercado cinematográfico. Trama simples, comédia genuinamente boba e um subtexto sobre relacionamento homoafetivo muito mais significativo que qualquer personagem gay aparecendo de forma apressada em uma cena rápida. Enquanto filmes como Tempo de Carnificina deixarem nerds de 40 anos decepcionados por não atenderem às suas demandas e os mesmos suplicarem pela salvação vinda por um produtor bilionário, ainda poderemos acreditar que nem todos esses filmes se tornaram afagos para pessoas frustradas.

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Gabriel Lunahttp://estacaonerd.com
Jornalista que se aventura no mundo da crítica de cinema. Gosto de café e filme em preto e branco.
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