Figurinha carimbada no circuito de festivais mundo afora, a carreira de François Ozon tem sido marcada, ao menos na última década, por uma variedade de trabalhos que destoam entre si nos elementos mais visíveis da linguagem cinematográfica.
É certo que, muito mais do que a repetição de temas ou aspectos formais que saltem aos olhos com facilidade, a autoralidade de um cineasta diz respeito à capacidade de impor um olhar próprio, distinto, que se faça sentir de maneira continuada em sua obra. Um olhar que, dada a riqueza de possibilidades do audiovisual, pode se expressar das mais variadas formas, com maior ou menor sutileza.
Ainda assim, chama atenção o fato de que os últimos trabalhos do diretor passeiam do drama histórico farsesco – Frantz (2016) – ao thriller político-religioso austero – Graças a Deus (2018) –, passando pelo thriller psicológico maneirista – Amante Duplo (2017).
Muito em virtude disso, o cinema de Ozon, embora recheado de méritos, parece sempre trazer em seu fundo um quê de emulador. É como se essa eterna variação de temas e abordagem formal condenasse a obra do diretor a um lugar de repetição de algo já feito anteriormente, repetição essa que, se nos esforços mais felizes se apropria de uma tradição cinematográfica como base de potência, nos menos prodigiosos parece meramente derivativa. Verão de 85 se situa em algum lugar entre essas duas tendências.
Contando a história de Alexis, jovem de 16 anos que, após ser salvo por David de um acidente marítimo, passa a se envolver com ele, o novo filme de Ozon remete a uma série de outras obras que compõem o imaginário recente das vertentes do cinema a que busca se filiar, sem fazer nenhuma questão de disfarçá-lo.
A opção pelo voice over retrospectivo e confessional como princípio narrativo que já de início entrega o tom trágico do enredo traz à mente uma gama de coming of ages que adotam a escrita/apropriação da história pelo protagonista como mote dramático. As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky, 2012) talvez seja o exemplo mais ilustrativo, mas outros semelhantes não faltam.
Já no núcleo do enredo, articula-se uma visão da juventude como oceano de descobertas e possibilidades. Há um apelo visual solar, de cores vivas, que se faz presente em paralelo a um senso mais físico de risco e sensualidade imanente à persona de David, que encapsula as paixões e inseguranças do protagonista. Aqui, impossível não vir à mente Me Chame Pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, 2017) e, em menor medida, quanto ao caráter potencialmente destrutivo/perturbador subjacente à relação dos personagens – e o filme realmente flerta com a atmosfera de thriller em alguns momentos –, Um Estranho no Lago (Alain Guiraudie, 2013).
Se esses apontamentos fazem o filme parecer uma salada mista de referências e intenções, é porque é realmente assim que ele se apresenta.
Estranhamente, porém, Verão de 85 consegue, aqui e ali, alcançar entre esses diversos esforços, senão equilíbrio, uma pulsão que move o filme de maneira muito viva, em constante renovação e com uma despretensão que salva a abordagem do diretor. Há um adequado grau de frescor e inconsequência na maneira como o diretor encara a história narrada que torna a sessão mais provocante do que a premissa sugeriria. É como se filme e protagonista se encontrassem nesse espírito próprio da juventude, num ciclo de entregar-se, perder-se e remodelar-se.
Afinal, como declara Alexis ao fim de suas memórias, numa referência que poderia muito bem se aplicar ao cinema de Ozon, “… contei a vocês meu verão de 85 com o David, o amigo dos meus sonhos, para que compreendam como me tornei o que sou. Mas talvez não seja mais quem eu sou. Porque a única coisa que conta é conseguir, de uma forma ou de outra, escapar de sua história.”.