dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Vigaristas em Hollywood

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O que é preciso para fazer um filme? Câmera e imagem são o básico. Atores, montagem, trilha sonora, etc., também podem ser complementos se o intuito é não fazer um projeto enviesadamente experimental. Porém, adaptando a frase do dramaturgo William Shakespeare para este contexto, há mais coisas entre o cinema e seu fruto do que sonha nosso vão olhar de espectador. O dia a dia em um set de filmagem, o processo de criação de uma obra, a despesa gasta para sua feitura, entre outros; não faltam evidências de que é cansativo e até estressante trabalhar com o audiovisual. Vivendo no abandono (Tom DiCillo, 1995) é apenas uma das testemunhas disso. Todavia, há algo que impulsione e faça com que a indústria cinematográfica seja uma locomotiva ininterrupta: a vontade de ter sucesso. E, para alcançá-lo, não necessariamente se joga limpo. O roteirista que quis enganar Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950) foi infeliz em sua tentativa de driblar os bons princípios. Passado-se muitos anos, Hollywood segue com a falta de honestidade no caminho para a tão desejada fama, só que dessa vez, os pilantras são experientes como Robert De Niro. Vigaristas em Hollywood (2020), de George Gallo, verdadeiramente não é para amador.

Max Barber (De Niro) é um cineasta falido que quer retomar a carreira. Embora tenha esse objetivo, seu roteiro mais amado não consegue obter nem recursos nem apoio para ser realizado. Já com uma dívida contraída devido ao financiamento de seu último longa-metragem (um fracasso total), o idoso, em um momento de desespero – ou lucidez -, decide produzir um falso filme em que o protagonista, um ator estrategicamente contratado, morreria, lhe rendendo o dinheiro do seguro. Reggie Fontaine (Morgan Freeman), o mafioso que ameaça trocar o débito pela vida de Max, embarca na ideia para reaver suas economias, e Duke Montana (Tommy Lee Jones), um velho e obsoleto astro de cinema, é escalado para a produção. Logo, a surpresa está no mantimento de uma disposição jovial do velho Duke, alvo teoricamente fácil – para Reggie e Max – de se matar. Apesar das inúmeras investidas, parece que não é tão fácil assim.

Ainda que Vigaristas em Hollywood estimule, no princípio, a continuidade dos sonhos, com Max não cedendo a algo material, tal qual uma quantia monetária, à favor de sua obra prima de grande valor afetivo, o tom muda rapidamente quando a instabilidade de viver ou morrer torna-se mais próxima. O personagem, em um presumido arco de correção de falha, dado a incredulidade perante sua frieza em distinguir o prático do fictício, é o centro de uma tramoia pensada por ele, executada por ele e idealizada por ele. Em resumo, Max atua literalmente por conta própria. Todavia, a equipe por trás da obra do ex-roteirista, incluindo seu fiel escudeiro, o sobrinho Walter (Zach Braff), deposita plena confiança de que o projeto, por mais que para o público fora do universo da película lembre algo estilo thrash, será de qualidade nível Oscar. O afinco com que o desenvolvem confronta com as atitudes subliminares de Max, e a ânsia de que o protagonista seja descoberto oscila pelo limite do que é certo e do que é mais recreativo.

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O texto, de humor menos caricato, expositivo e jocoso, balanceia a inteligência de se ter estrategistas como pontos de convergência retirando a comicidade de suas situações. Enquanto Duke – maior elemento de seriedade no filme – reafirma sua idade e o consequente esgotamento mental, Max nega o envelhecimento como se não houvesse amanhã. Entretanto, um é considerado herói e outro o anti herói. Ambos aplicam a Hollywood um caráter amaldiçoado, no qual é pura utopia almejar atingir o status e o patamar que se fantasia, mas suas visões transformam-se, principalmente acerca de si mesmos. Por isso, os dois personagens contemplam temperamentos que enriquecem o filme no quesito de fidelidade a sua categorização: comédia e ação. Se por um lado a ironia prevalece sobre eventos aparentemente sem intuições risíveis, por outro o ritmo dialoga com a vivência desses atos. O time de intérpretes, engrandecidos por si só, personificam qualidades e defeitos atraentes para que o coletivo se agregue a suas histórias. De Niro, Tommy Lee Jones e Morgan Freeman, com seu inesperadamente carismático (embora menos trabalhado) mafioso Reggie, o trio veterano e carro-chefe, leva à audiência o talento raro de seus corpos, mesmo em cenas menores. 

A metalinguagem que Reggie frequentemente menciona, com analogias a Orson Welles e A Marca da Maldade, por exemplo, adiciona ao roteiro, mais uma vez, a inteligência da conexão entre mundos cinematográficos, que, na verdade, nada mais são do que simbióticos. Independentemente do reconhecimento dessas referências e do bom uso das falas, o longa-metragem se estende em um segundo ato que infere propositalmente um ciclo que parece infindável. As distintas maneiras que Max arranja para acabar com a vida de Duke soam como novidade no primeiro estabelecimento, mas posteriormente, já instalado o pretexto, as repetem de formas não tão criativas. A estética do cineasta George Gallo, igualmente comum, permite que alguns aspectos não sejam condizentes com o restante da obra, desunificando aquele todo bem pensado e juntando a ele sequências de credibilidade duvidosa, majoritariamente relacionadas ao heroísmo de Duke, e típicas de um filme de comédia qualquer. A fórmula repetitiva das circunstâncias forjadas para o personagem de Tommy Lee, que acompanha a gravação de uma película de velho oeste, com suas colorações terrenas na imagem e areias esvoaçantes, faz perder um fragmento do credo de que o resultado será competente.

Vigaristas em Hollywood é uma sátira sobre a vida no maior polo do cinema mundial. Cruel e excitante na mesma medida, vencer no meio audiovisual californiano traz para seus lutadores dilemas em volta de sua existência, seus desafios, expectativas, devaneios e de suas próprias durabilidades nesta Terra. De um jeito que mescla leveza, sarcasmo, comodidade e crítica, o filme pode classificar-se como um entretenimento com pitadas ácidas, mas não o suficiente para que questionamentos sejam mais fervorosos. Com aparência despretensiosa porém aprofundando-se comedidamente na psicologia de seus personagens, especialmente Duke e seus pensamentos negativos, a obra carrega a sensação de que há material para ir além. Mesmo tendo um segundo ato propenso às características de comédia em geral, ainda assim não é levado para um lado infantil. Alguns vislumbres até lembram essa particularidade, mas não é de fato sustentado. Posto que poucas inovações e convenções do gênero ocorrem, um elenco astronômico possui a capacidade de catapultar uma obra em seu objeto de crítica?

   

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