Você sempre foi uma série fundamentalmente absurda. E não só pela premissa de transformar um stalker e serial killer de mulheres em protagonista carismático. Desde a estreia em 2018, a trama se apoiava num roteiro exagerado, quase novelesco, onde a suspensão da descrença era uma exigência constante: celulares sem senha, monólogos literários demais para alguém tão impulsivo e crimes que pareciam desaparecer no ar, sem levantar suspeitas. Mas havia ali uma proposta interessante, uma crítica velada (ou nem tanto) à forma como consumimos narrativas e romantizamos certos perfis masculinos em nome do “amor verdadeiro”.

Joe Goldberg nunca foi o herói da história. Mas também nunca foi retratado de forma tão crua quanto merecia. Ao longo das temporadas, a série se divertiu demais com o jogo duplo. Enquanto o protagonista manipulava, perseguia e assassinava pessoas sob a justificativa de proteger ou amar, a direção embalava tudo em uma estética atraente e uma narração envolvente que confundia o espectador. A sátira estava ali, sim. Mas será que todo mundo entendeu?
A resposta veio com o tempo. Parte do público comprou o personagem como um romântico incompreendido. A ponto do próprio Penn Badgley precisar dar entrevistas alertando sobre os perigos da romantização e lembrando que Joe era, em essência, um homem perigoso. Misógino, inseguro, narcisista. Um predador que se via como herói da própria história.
Agora, na quinta e última temporada, Você tenta dar conta das consequências de sua própria criação. De volta a Nova York, Joe parece ter conquistado aquilo que sempre quis: respeito, status e uma vida familiar estável ao lado de Kate (Charlotte Ritchie). Livre das acusações em Londres e com a guarda de Henry, seu filho biológico, Joe tenta apagar o passado ou, ao menos, guardá-lo numa caixa. Literalmente. Mas, como sempre, basta um novo desafio para reacender seu instinto assassino. E o que começa como uma disputa de poder dentro da elite nova-iorquina rapidamente se transforma em mais um banho de sangue.

O diferencial da temporada final está no retorno à origem e no acerto de contas com os pecados do passado. A aparição de Bronte (Madeline Brewer), uma jovem escritora e ex-aluna de Beck, serve como catalisadora desse confronto. Bronte assume o papel da musa que Joe sempre idealizou, mas com um objetivo diferente: enganá-lo, vigiá-lo e, com sorte, arrancar uma confissão. A série finalmente coloca no centro a justiça por Guinevere Beck (Elizabeth Lail), a primeira grande vítima da série, resgatando seu legado e o que ela representava desde a primeira temporada.
Há também uma tentativa ousada de fechar o ciclo narrativo ao reunir sobreviventes do passado de Joe. Com ares de “vingadores do trauma”, esse grupo busca desmascará-lo publicamente, criando um jogo de gato e rato que coloca o protagonista em situações inéditas. Ele erra mais do que nunca. Perde o controle. Tropeça em seus próprios delírios de superioridade. E é nesse desmoronamento que a série encontra um ponto de virada.
Você também acerta ao comentar, ainda que de forma breve, o culto à masculinidade tóxica nas redes. Quando as acusações contra Joe vazam, surge um grupo de defensores red pill que o tratam como injustiçado. Uma crítica direta à cultura da impunidade e à glamorização de comportamentos abusivos. É uma piscadinha irônica, mas eficiente, sobre como a ficção às vezes não está tão longe da realidade assim.
O desfecho, apesar de previsível, é honesto. E acima de tudo, necessário. Há um alinhamento claro entre roteiro, direção e elenco. A intenção nunca foi redimir Joe, e sim escancarar o quão podre era a sua essência. Ao abandonar qualquer nuance salvadora, a série dá o recado final, direto e sem meias palavras. Joe nunca mereceu empatia. E se em algum momento você torceu por ele, talvez seja a hora de repensar a quem você está oferecendo o benefício da dúvida.No fim das contas, Você encerra sua trajetória de forma corajosa. Não porque entrega um final grandioso, mas porque confronta seu público. A série precisa, quase desesperadamente, deixar tudo o mais explícito possível. Não há ambiguidade aqui. Joe Goldberg é um vilão. Sempre foi. E se ainda resta algum traço de simpatia ou identificação com ele, talvez o problema nunca tenha sido a série. Talvez o problema seja você.