Os Addams são uma das famílias mais icônicas na Cultura Pop, cada personagem tendo uma distinção específica que, juntos, constroem uma história de afronta ao padrão protestante estadunidense, mas que também celebra a dinâmica de família estendida de maneira mórbida e surpreendentemente saudável. Com tal iconografia, é entendível como um spin-off de Wandinha, a filha de Gomez e Mortícia, ganhasse vida. A personagem nas últimas décadas cresceu além de sua família no imaginário popular, com destaque para a atuação de Christina Ricci em 1991 que trouxe elementos e trejeitos para a personagem que são celebrados até 30 anos depois.
Na trama de Wandinha, acompanhamos a trajetória da personagem título, vivida por Jenna Ortega, saindo de seu núcleo familiar após um incidente com piranhas e genitais de bullys cortados. Ortega então vai para a escola interna de Nunca Mais, situada na cidade de Jericho, onde supostamente todas as crianças que estudam lá também são “excluídas” como Wandinha. Assim, a jovem encontrará o maior desafio da sua vida: a vida social na adolescência.
Por mais doloroso que seja para o espectador, o resto da Família Addams faz poucas pontas ao longo da série, estando presentes em apenas dois episódios. Mesmo assim, o pouco que vemos de cada membro da família é o suficiente para nos apaixonarmos nesta versão de cada um. Catherine Zeta-Jones faz jus ao legado de suas antecessoras e traz a amálgama de Dama Fatal e ocultista macabra que compõe Mortícia Addams. Luiz Guzmán é o Gomez que nunca tivemos. Fugindo do estereótipo latino de amante caliente presente nas suas encarnações passadas, na série da Netflix temos um pai carinhoso e um marido amável que venera sua esposa.
Ao chegar em Nunca Mais, podemos acompanhar a exploração de pequenos pedaços na construção do universo da série. A mistura do macabro com drama adolescente já foi visto antes, inclusive em séries da Netflix como O Mundo Sombrio de Sabrina, e em Wandinha não há tanta diferença. A escola é composta por diversas criaturas do imaginário do terror, vampiros, górgonas, lobisomens, etc. É divertido acompanhar a exploração desse mundo aos olhos de Wandinha, muitos elementos da instituição são piscadelas para o público e brincadeiras autoconscientes do teor gótico e sombrio que gira em torno da adolescente.
Um dos maiores brilhos da série, ironicamente, é esse culto ao gótico na visão de Tim Burton, que também atua como produtor executivo. O diretor usa esse mundo de terror para o visual macabro e com toques sombrios que são comuns na sua direção. Burton assina os primeiros 4 episódios da série e fica claro sua presença nesse início. Além dos elementos na escola, também temos a autoconsciência do cartunesco e bobo que giram em volta do imaginário de Wandinha e até do próprio universo da série. O mistério que está sendo investigado ao longo da temporada passa muito longe de ser cativante e profundo, mas sim uma aventura que brinca com o bizarro e serve para trabalhar a visão gótica de Wandinha pelo o mundo.
A atuação de Jenna Ortega segue os mesmos trejeitos que se tornaram icônicos por Ricci. Wandinha é cruel, irônica, sincera e essas manias só trazem mais charme para a personagem, se tornando um imediato ícone de Dark Queen na Cultura Pop atual. Além disso, Ortega adiciona mais profundidade à personagem, saindo da iconografia e nos mostrando um lado mais íntimo da gótica de maria-chiquinhas, muitos momentos vemos a protagonista demonstrando emoções em pequenos lapsos e trejeitos faciais, nunca deixando vazar a sua persona fria.
Acompanhando Ortega, temos o elenco coadjuvante dos estudantes de Nunca Mais e moradores de Jericho. Gwendoline Christie encarna a diretora da escola, trazendo uma figura imponente mas misteriosa. Emma Myers vive a colega de quarto da protagonista, Enid, e traz consigo uma aura colorida, que cria um conflito direto com a rainha gótica. Apesar de seu nome da série, esses personagens tem seus conflitos e interesses à parte de Wandinha, saindo como algo extremamente positivo, entregando vida e substância para cada coadjuvante.
Mesmo estranhando nos primeiros momentos, o caminho da personagem Wandinha segue em direção a algo mais sensível, com a personagem “se tornando uma pessoa melhor” na conclusão de seu arco. Tal trama consegue entregar situações interessantes ao longo da série, a relação de Wandinha e Enid são umas das coisas mais belas, desde a concepção do quarto das duas, até seus embates por serem tão diferentes.
Gandja Monteiro e James Marshall assinam a direção dos 4 últimos episódios, e ao invés da autoconsciência presente na direção de Burton, buscam apelar para o melodrama adolescente. Tal aspecto não seria de todo um ruim, mas esse melodrama passa longe de uma sensibilidade genuína, no lugar, temos um melodrama comum em outras produções adolescentes da Netflix (infelizmente a construção de universo não é a única coisa que eles têm em comum com Sabrina). Então quando encontramos Wandinha tendo seus primeiros momentos de intimidade, apesar da competência da atuação, esses momentos não soam naturais. É interessante a ideia de ver a jovem Addams crescendo e tendo que lidar com os problemas da adolescência, mas o melodrama de algoritmo pasteurizado não ajuda a manter esse interesse.
Mesmo com todos os tropeços ao longo dos seus 8 episódios, Wandinha consegue se distinguir o suficiente para se tornar uma boa adição ao catálogo da Netflix. A visão Geração Z de uma personagem que transcende gerações desde os anos 90 trouxe um ar confortável, porém gótico e macabro, colocando Wandinha novamente no imaginário popular como a Dark Queen que ela merece ser.