qua, 19 novembro 2025

Crítica | Wicked: For Good

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A decisão de dividir o musical Wicked em duas partes tem, pelo menos, duas funções: a primeira delas, argumentada pela produção, é o aprofundamento das narrativas que envolvem esses personagens. Ou seja, entendermos melhor as motivações de Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande) e as transformações que ocorrem na segunda metade da obra. A segunda, claro, e talvez a mais óbvia em termos de mercado, é o lucro. A primeira parte se tornou a maior bilheteria de um musical desde Mamma Mia!, superando os 700 milhões. A segunda parte, por sua vez, chega aos cinemas com metas ambiciosas em ambas as frentes. Mas a continuação da trama que conclui a jornada de Elphaba como a Bruxa Má do Oeste demonstra que a primeira função mencionada é apenas uma falácia.

Explico: se o musical original da Broadway já não tinha grande força em seu segundo ato, com diversas tramas precisando ser amarradas através de músicas que, também, não são inspiradas; o filme caminha na mesma direção. Se o primeiro filme concentra-se em apresentar seus personagens e o mundo com certa atenção — ainda que a encenação de John M. Chu não seja nada além de burocrática — o segundo parece perder esse mesmo encanto. Elphaba, agora fugitiva, precisa arregimentar um exército; Glinda, agora como “A Boa”, é a imagem da Cidade das Esmeraldas. Nesse embate, a primeira consegue ter momentos mais interessantes, os quais são bem aproveitados por Erivo. Em compensação, Grande, com o perdão do trocadilho, parece flutuar como uma bolha pela narrativa, com tentativas evidentes por parte do roteiro de tentar lhe trazer alguma implicação maior (a atriz tem uma música inédita que Chu não sabe muito bem o que fazer em termos de imagem).

Entre as duas, as tramas que envolvem Fiyero e Boq, por sua vez, e suas transformações no espantalho e no homem de lata não conseguem sustentar-se, demonstrando que a própria noção de “aprofundamento”, defendida pelos produtores, se mostra ineficaz. Ora, com duas partes e, por consequência, com quase 5h no total, poder-se-ia encontrar uma forma de articular uma trama que, já na produção teatral, é difícil de funcionar. E, se essas questões, de natureza narrativa, demonstram a fragilidade desta segunda incursão, em termos de imagem temos algo muito semelhante. Se, em compensação, o filme parece ter ganhado em cores e saturação em relação ao primeiro e, em alguns momentos, não se leva tanto a sério, John M. Chu tem muita dificuldade em construir suas cenas com alguma criatividade.

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Os momentos musicais tentam, ao máximo, aproveitar-se dos recursos visuais para dar alguma dinamicidade (algo que, como já mencionado, não acontece na música cantada por Grande), mas não passam de uma encenação pouco inspirada e sem charme. Quando utilizo esse último adjetivo, o faço pensando em como o musical, enquanto forma, depende de uma espécie de encantamento que nasce menos da exuberância técnica e mais de uma coreografia entre câmera, corpo e espaço. “Charme”, aqui, nomeia justamente essa capacidade de tornar leve o que é puramente artifício, de transformar a suspensão da incredulidade em prazer. A câmera de Chu raramente dança com seus personagens; ela apenas os circunda, dá piruetas, como quem registra e não como quem participa. Falta-lhe a graça que nasce da invenção ou de apostar na relação entre profundidade, luz e corpo como vetor de sentido.

A luz, aliás, segue sendo uma questão: na tentativa de disfarçar a precarização dos trabalhos visuais (uma questão, por si só, estética e política), aposta-se ou no exagero da mesma no fundo ou na escuridão. O resultado é um musical que, embora ruidoso e preocupado em parecer grande, precisa de uma forma que sustente esse gigantismo. Mesmo em momentos que criativamente servem como pontos de emoção, como For Good, Chu demonstra sua limitação, articulando-se em torno de plano e contraplano. O cinema, especialmente no musical, não se realiza apenas na entrega performativa de suas atrizes, mas na forma como a encenação cria um espaço sensível para que essa entrega reverbere (pensemos em musicais recentes como o remake de West Side Story, do Spielberg).

Chu parece se contentar em registrar, como se a profundidade do vínculo entre as personagens pudesse emergir por inércia, achatando o momento e isolando as atrizes em ilhas emotivas. Chu poderia encontrar força justamente no uso expressivo da luz, mas parece não estar interessado em fazer a cena respirar para além do registro. O filme se encerra, então, com a constatação: sua divisão em partes resume-se às cifras (e estas, sem dúvidas, serão alcançadas), mas como projeto cinematográfico fica pelo caminho dos tijolos amarelos. John M. Chu demonstra-se incapaz de pensar a imagem para além da função ilustrativa, reduzindo cada momento a uma sucessão de gestos burocráticos. O resultado final não é apenas um filme sem imaginação; é um filme que evidencia, quadro a quadro, que seu diretor não sabe o que fazer com a potência que tem nas mãos. E, no cinema, essa é a falha mais imperdoável.

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Destaque

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