seg, 3 novembro 2025

Entrevista | Ernesto Paglia, Iara Cardoso e Osmar Pinto Junior falam da série documental Caça-Tempestades no History

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Convidado pelo History, eu tive o prazer de entrevistar o jornalista Ernesto Paglia, a cineasta Iara Carvalho e o cientista Doutor Osmar Pinto Junior, que juntos fizeram a série documental Caça-Tempestades, que foi gravada na Amazônia, onde acontecem as maiores tempestades do país.

Confira a entrevista:

Marcel Botelho: Ernesto, eu gostaria que você falasse um pouco da série de uma forma geral e de como foi para você como jornalista essa experiência.

Ernesto Paglia: Marcel, depois de mais de 40 anos de profissão, é raro a gente dizer que está fazendo alguma coisa pela primeira vez. Mas essa é uma situação dessas. Felizmente, eu posso dizer que a essa altura do campeonato eu fui chamado pela Iara e pelo Dr. Osmar para participar de algo inédito para mim e para o mundo. Porque nunca foi feito um trabalho como este na Amazônia, no Brasil, e várias vezes no mundo. E principalmente porque nunca houve um registro cinematográfico, que é disso que se trata. Estamos falando de um documentário cinematográfico que, apesar de eu ser jornalista e ter a experiência toda como jornalista, o formato não é jornalístico. O formato é criado pela Iara Cardoso, que é a nossa diretora, produtora. Ela concebeu um jeito de contar essa história que foi buscar a inspiração nos grandes filmes de Hollywood, os Twisters da vida. E a gente aqui reproduziu, de alguma forma, aquele tipo de linguagem. Um grupo, um cientista, uma cineasta, um jornalista, caçando tempestades num lugar que dentro do Brasil que é um dos maiores polos de tempestades e de concentração de raios. E o Brasil que é o país dos raios. Então a gente pôde contar ali, através desse fenômeno, a falar sobre a crise, a emergência climática global. E isso tudo no ano da COP de Belém. Então veja só como esse trabalho é um privilégio. Poder estar falando de clima na Amazônia, no ano da COP da Amazônia e no ano em que nós estamos vivendo. A cada ano que passa, o ano mais quente da história, já registrado. O ano que tem o maior número de tempestades. A gente vai repetindo essas notícias que, infelizmente, são alertas importantes e que nem todo mundo leva em consideração. Mas é importantíssimo a gente levar essa mensagem. Mas é mais importante ainda a gente fazer isso usando uma linguagem criativa, interessante, instigante, como essa que Iara desenvolveu. 

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Marcel Botelho: Iara, você tem um papel evidentemente central na série. Você dirigiu, escreveu e produziu. Como é falar desses temas científicos complexos com uma linguagem acessível que possa atrair todo o público? 

Iara Cardoso: Olha, eu acho que é uma grande missão e um grande prazer também poder fazer isso com esse trio aqui, com Ernesto Paglia, com o doutor Osmar Pinto Júnior. Eu acho que a gente conseguir fazer divulgação científica no Brasil não é algo fácil, divulgação científica com cinema é ainda mais difícil, porque a gente está falando de uma grande produção. A gente tinha 20 pessoas com a gente, tinham cientistas também, além do doutor Osmar, fazendo todo esse trabalho. A gente tinha uma interface em tempo real para seguir as tempestades e trazer tudo isso de uma forma única, com aventura, com emoção, com trajetória e com a narrativa. Eu costumo dizer, os ciclos da nossa vida eles se somam e a gente conseguiu estar no lugar certo e na hora certa para fazer essa série. Porque nós estamos num mês enigmático. A gente lança o registro dia 5 de novembro, no mês da COP 30, na Floresta Amazônica. A gente ficou um mês na Floresta Amazônica com 500 horas de material bruto. Então é uma série muito rica que traz esse tema da emergência climática de uma forma única. A gente quer realmente trazer essa questão das mudanças climáticas para o coração das pessoas, para as pessoas se conectarem com esse tema. Então, verem ali a beleza de uma tempestade conosco na Floresta Amazônica, mas entenderem que as tempestades estão mudando, que a gente tem secas, que a gente tem consequências, a gente tem micro explosão achatando as árvores na floresta e que tudo isso tem consequências no Brasil e no mundo. Então, as chuvas, a gente teve aqui um dia, por exemplo, de uma tempestade, na verdade foi um dia que escureceu, não sei se vocês recordam em São Paulo, foi um dia que virou noite. Esse dia está conectado à Amazônia, às queimadas na Amazônia. Então tudo está interconectado de fato e a gente conseguiu presenciar tudo isso e ao mesmo tempo estar nesse lugar único, nesse lugar tão belo, que é uma grande satisfação você poder fazer cinema no meio ambiente, as dificuldades, os perrengues, eles são sobrepostos, a gente consegue por conta dessa natureza que fala por si só e ao mesmo tempo por conta desse trio. Eu acho que cada um de nós tem um componente que soma o outro, o doutor Osmar é responsável pela ciência, Ernesto com a credibilidade, com os fatos e eu trazendo essa visão cinematográfica. Então eu acho que é um trio único, a gente conseguiu ter segurança também para fazer uma série dessas e ao mesmo tempo se divertir. Eu acho que nós estávamos ali felizes vendo essas tempestades e podendo fazer um conteúdo de primeira com isso.

Marcel Botelho: Doutor Osmar, quais são os principais fatores que explicam o fato da Amazônia atrair tantos raios e tempestades, de uma forma geral? 

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Doutor Osmar: Bom, o primeiro fator é a localização geográfica da Amazônia no planeta. Ou seja, a Amazônia está próxima à região equatorial, região central do planeta, que é a região mais quente. E calor é uma energia fundamental para que ocorram tempestades. Outro aspecto é que além da localização geográfica, é a floresta em si, são as árvores que mantêm uma umidade muito alta na atmosfera, que isso também favorece a produção de tempestades. Então existem outros fatores, mas os fundamentais seriam a localização geográfica e o tipo de constituinte da floresta, que são as árvores. O jeito como as árvores interagem com a atmosfera.

Marcel Botelho: Doutor, como que é para o senhor desmistificar esses temas e também combater as fake news que, infelizmente, tem aos montes aí na internet? 

Doutor Osmar: É, você tocou num ponto muito importante, que hoje as fake news estão se proliferando, com a IA ainda mais, e a gente fica, vamos dizer assim, sempre com medo do que a gente está vendo se é real ou não é real. E essa dificuldade de distinguir o que é real e o que não é real me parece que vai aumentar nos próximos anos e décadas. A gente vai ter que ter um método de separar uma coisa da outra. Esse documentário, por exemplo, daqui a alguns anos alguém poderá fazer algo semelhante sem nem sequer ir na Amazônia, só com IA. Mas é claro que, se assimilar tecnicamente, do ponto de vista humano, do ponto de vista de emoção, não é. A emoção que a gente traz, que nós participamos do processo, essa emoção é exclusiva do ser humano, e vamos conseguir trazer para as imagens, para as telas, a emoção de sentir, de conviver com aquelas dificuldades, com aquelas coisas, vamos dizer assim, fascinantes da floresta. Então as fake news são um problema, mas a gente vai superar ele, com certeza.

Marcel Botelho: Ernesto, eu gostaria de saber algum momento da série que você possa contar, que foi marcante para você.

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Ernesto Paglia: Olha, uma coisa que me marcou bastante, que me chamou a atenção, é óbvio que eu sempre ouvi falar das tempestades amazônicas, se você quer falar de algo grande, importante, impactante, você sempre pode usar esse adjetivo, chamar de amazônico. Mas as tempestades na Amazônia, é curioso que elas são intensas, mas elas são rápidas, e elas se deslocam com muita velocidade. É o país das águas, todo cercado e cruzado por rios, é difícil construir estradas. Você vê que tem estradas que foram construídas já há 50 anos e ainda não foram asfaltadas, e é difícil mesmo. Você tem um grande desafio logístico. E para a gente se deslocar lá, era difícil, porque nós tínhamos informação em tempo real. Graças ao trabalho do laboratório de eletricidade atmosférica do doutor Osmar Pinto, lá no INPE, a gente tinha ali um tablet com um mapa em tempo real das tempestades que estavam acontecendo e das descargas elétricas ali, no ato. Então a gente começava a ver que as flechinhas apareciam, as marquinhas apareciam no mapa, a gente falava, é para lá que a gente tem que ir. Bom, é mais fácil falar do que fazer, porque como é que faz para ir para lá? Tinha lugar que não tinha estrada. Então tinha lugar que só se chegava de barco. E nós pegamos ali a pior seca dos últimos 80 anos. E infelizmente esses fenômenos vêm se repetindo ano após ano. Nós estamos vivendo os anos mais quentes, cada ano que passa está batendo o recorde do ano anterior em termos de temperaturas médias no planeta. E na Amazônia a gente tem visto secas que já provocaram até um fenômeno impressionante de tempestade de areia. Tempestade de areia, você imagina isso no Sahara, não na Amazônia. E a gente viu ali, também teve essa dificuldade. Pega um barco e vai para um lugar onde está acontecendo nesse momento uma tempestade. Primeiro que o barco não é tão rápido quanto o carro. E depois você chegava na beira de um igarapé, onde deveria ter um igarapé, e não tinha. Estava seco. A gente encontrou fim de estrada. A gente foi com o carro até onde deu e falou assim, mas cadê o igarapé? O igarapé é aqui. Só que não tem igarapé. O igarapé está seco. Então, embora alguns momentos, a gente teve dificuldade de deslocamento. Ao mesmo tempo, dentro da cidade de Manaus, que muita gente às vezes desconhece, que é uma metrópole. Manaus tem mais de 2 milhões de habitantes. É um trânsito complicado de cidade grande. E a gente precisando ir com rapidez de A para B. Isso, para mim, foi impactante. Caçar tempestades na Amazônia, a gente às vezes imagina que você vai… Você tem que sair abrindo espaço entre as árvores e se pendurar num cipó para chegar perto… Não! Você tem que enfrentar o trânsito bravo de uma metrópole de 2 milhões de habitantes. Tudo isso está retratado no documentário. E é interessante porque traz também essa dimensão. Você está falando de uma região urbana com muita gente morando lá. Em Manaus, especificamente, e na Amazônia há milhões de habitantes. Muitas vezes as pessoas têm essa ilusão de quem é de outras regiões ou de outros países têm essa falsa impressão de que a Amazônia é um lugar vazio. E o que acontece lá também não mexe com muita gente. Mexe com mais de 20 milhões de habitantes, 2 milhões deles só na área urbana de Manaus, e mexe com a vida de todo o país e de todo o continente e do planeta. Não é à toa que o mundo olha para nós e nos joga nas costas a responsabilidade de preservação da Amazônia. Porque é isso mesmo. Nós somos responsáveis. E o que acontece com a Amazônia afeta o planeta todo. Afeta a produtividade do nosso agronegócio, que é tão importante para a nossa economia. Afeta o clima aqui de São Paulo. O interior de São Paulo viveu recentemente fenômenos que a gente registrou lá na Amazônia, que derrubaram uma fábrica de automóveis. Vão ter que refazer a fábrica. E já tem planos de mudar a fábrica de cidade. Olha só a implicação das mudanças climáticas sobre a economia e sobre setores que a gente nem imaginava que tinham algo a ver com aquilo que está acontecendo na Amazônia. E eu não sou militante, ambientalista, eu não sou cientista, eu sou um jornalista, um repórter que viu coisas e se sente na obrigação de transmitir. De dizer, pessoal, vamos prestar atenção, porque o que está em jogo não é a saúde do planeta, é a nossa saúde. A gente vive aqui. E o planeta vai continuar existindo por milhões de anos. Nós é que, talvez, como espécie, temos que enfrentar condições muito, muito inóspitas. Então, está na hora da gente prestar atenção no que faz nesse planeta se a gente quer continuar morando por aqui.

Marcel Botelho: Iara, como que essas tempestades afetam as comunidades que vivem na Amazônia? Vocês também abordaram isso no documentário? 

Iara Cardoso: Abordamos, sim, as comunidades ribeirinhas, as comunidades indígenas são muito afetadas. Hoje há uma mudança desses ciclos. As comunidades ribeirinhas, o tempo para eles está maluco, eles não sabem mais o que é uma época do ano, que eles tinham conhecimento que seria seca, uma época que teria tempestades, a época da cheia. Então, a gente teve, por exemplo, a Comunidade do Catalão, que vive sobre as águas, e eles estão agora numa situação bastante dramática, porque eles não conseguem mais ter as casas sobre as águas. Eles tiveram que fazer uma barragem para segurar a água, para conseguir segurar aquela pouca água, porque não tem muita água. Algumas casas não conseguem ficar naquele lago do Catalão, foram para o rio onde tem aquele banzeiro. Então, já é uma situação que não é boa para as casas. Então, a gente percebe ali o drama dessas pessoas que vivem em meio à natureza. Então, essa é uma das comunidades. E, ao mesmo tempo, a gente percebe o quanto essas comunidades estão relacionadas à natureza. Então, a gente pôde presenciar também uma outra comunidade, o povo Waimiri Atroari, que recebe poucas pessoas. Eles praticamente só tinham recebido uma equipe do Fantástico há milênios atrás, e nunca mais receberam ninguém. Então, nós estivemos lá e a gente pôde ver o quanto as tempestades são fundamentais. E aí, no caso positivo, para que eles sobrevivessem à construção, no caso da BR-174, que foi uma época dramática, ficaram 100 indígenas, hoje são mais de mil. Então, eles quase foram dizimados. E eles conseguiram, na verdade, sobreviver, resistir, a partir da força dos céus, a partir do trovão. Então, a gente achou isso muito enigmático. O Deus Malar se comunica com eles a partir do trovão, e por isso eles sobreviveram. E era o local onde tem mais raios do Brasil. Então, não é à toa que realmente Malar falou com eles e eles estão aqui hoje. Eu acho que estar lá e ver essa força das tempestades, da natureza na vida deles, colocou uma perspectiva na nossa vida também, do papel da natureza na nossa vida, da importância, no meu caso, das tempestades que tiveram ao longo da minha vida inteira, desde criança, caçando tempestades em casa, quando eu era uma criancinha. Então, eu acho que tudo isso é importante que a gente resgate esse sentimento de reconexão com a natureza, que a gente precisa nesse momento. A gente precisa entender que nenhum de nós sobrevive sem a natureza, nenhum de nós é feliz sem estar conectado, porque, no fim de contas, somos parte de tudo isso, né? Então, somos parte do todo.

Marcel Botelho: Eu queria saber de vocês, nós estamos às vésperas da COP 30, como vocês citaram, e as grandes potências, as que mais poluem e que causam danos ao meio ambiente, eu não vejo elas tomando decisões realmente fortes e que sejam realmente relevantes nessa área do aquecimento global. Como que vocês enxergam o aquecimento global, os problemas climáticos nos próximos anos? E vocês conseguem enxergar uma luz no fim do túnel?

Ernesto Paglia: O que esse documentário pretende fazer é justamente vencer esse desafio. Porque os cientistas, como disse o doutor Osmar, já fizeram a parte deles. Eles já detectaram o problema, eles já deram solidez à informação, deram respaldo na pesquisa, mostraram que, de fato, as previsões são ruins para o futuro. E esse é um formato original que une justamente ciência, cinema e jornalismo para comunicar uma notícia que não é muito boa, não, gente. É uma emergência que nós temos. Mas é uma emergência para a qual a gente ainda pode contribuir. A gente ainda pode, de alguma forma, se contrapor a ela. A gente pode dar mais tempo aos laboratórios de pesquisadores sérios, como o doutor Osmar, para encontrarem soluções. A ciência já tem solução para, grosseiramente, metade das emissões, por exemplo, de gases do efeito estufa. A outra metade é um grande desafio, porque 30% vem da produção de alimentos. Então, assim, os cientistas, como o doutor Osmar, eles precisam de tempo. É preciso que a gente tenha o envolvimento da opinião pública. E aí é que entra a criatividade de cineastas como a Iara, para trazer formatos e comunicar essa informação, que no limite é pesada, é ruim, mas falar da emergência de uma forma criativa e que as pessoas ainda aceitem assistir. E que não achem chato. Não entrem em depressão. 

ESTREIA: quarta-feira, 5/11, 18h20

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Marcel Botelho
Marcel Botelhohttp://estacaonerd.com
Sou radialista, apresentador de televisão, colunista, redator e escritor, sou apaixonado pela área de comunicação e principalmente por games, desde a minha infância. Como editor e redator da área de games do Estação Nerd, espero levar até vocês muita informação e entretenimento com muita qualidade e alegria.