Eu tive a oportunidade de entrevistar a conhecida líder Budista Monja Coen. Tivemos uma conversa muito agradável, e ela com todo o seu carisma, contou sobre a sua trajetória e também nos ensinou como a meditação pode nos ajudar com o trabalho, os estudos, a ansiedade e até mesmo para relaxarmos e termos nossos momentos nerds, assistindo filmes, séries ou jogando com foco e tranquilidade.

Confira a entrevista:
Marcel Botelho: Monja, primeiramente, é um prazer entrevistá-la. Muito obrigado. E tenho certeza que os leitores do Estação Nerd também vão gostar muito.
Monja Coen: E assim seja, que possa beneficiar.
Marcel Botelho: Monja, primeiramente, eu gostaria de saber da sua trajetória. Como que você ingressou no budismo? Como que foi isso para você?
Monja Coen: Nossa, filho, quando eu era jornalista… Eu fui jornalista do Jornal da Tarde. Eu era repórter da Geral. E nessa época, me pediram para fazer uma matéria sobre sociedades alternativas na Califórnia. Era uma matéria de arquivo. E o Zen Center de São Francisco já trabalhava sem agrotóxicos, fazia reciclagem. Eu falei, nossa, quem são esses caras? O que é isso do Zen, né? Mais tarde, eu fui pra Inglaterra. Pra passar uma temporada, pra aprender inglês. Pra poder entrevistar pessoas que vêm de outros países. E nisso também, a Inglaterra é muito ligada à Índia, né? Então tinha muitas coisas de meditação. Muitos grupos. Tinha um programa belíssimo da BBC, do Jung. Do Carl Gustav Jung. E o Jung apreciava muito o Zen. Ele falava muito que o Budismo era uma religião que era bem interessante, segundo os parâmetros dele, né? Não só de falar em inconsciente coletivo, etc. Então fui sendo influenciada por esses diferentes olhares que vieram de pontos de vista diferentes. E acabei, mais tarde, indo morar na Califórnia. Então, fui influenciada por esses pensadores e por esses grupos. E também porque os Beatles meditavam, né? No Vietnã, quando teve a guerra do Vietnã, os monges se imolavam em praça pública. Eles colocavam gasolina no corpo e acendiam fósforo, e chamavam a imprensa e ficavam quietinhos em meditação. Nossa, que controle é esse, né? Então, várias coisas… Nunca é uma coisa só que nos leva, né? Então, estávamos vivendo um momento tumultuado no Brasil, tinha um governo militar, tinha gente na rua fazendo passeatas, assaltando bancos. Então, tinha muita coisa acontecendo e eu tinha amigos dos dois lados. Pessoas que trabalhavam tanto do lado da polícia e que eram contra os chamados revolucionários, como tinham os grupos que estavam indo para a clandestinidade, que eram meus amigos. Então, eu ficava assim, no meio, né? Apreciando que eram seres humanos com pontos de vista diferentes, né? E isso me leva a uma questão de será que nós não podemos ter mudanças sociais, políticas, econômicas, sem violência? E essa era a linha que eu seguia… Será que pode ser possível? Porque o pessoal ia para a clandestinidade me convidar, eu falei, eu não. Aprender a usar armas? Eu falei, não. Deve ter um outro caminho. E aí eu começo a me interessar pelo Zen. Esse Zen que era o dos Beatles, esse Zen que era do São Francisco Zen Center, né? Eu falei, deve ter um outro caminho por aqui. Aí pedi uma licença no jornal, fui ficar na Inglaterra um tempo, lá na Inglaterra, vendo esses filmes do Jung, a televisão e a juventude da Inglaterra também, que estava muito bonita. O Gilberto Gil e o Caetano tinham voltado da Inglaterra para o Brasil, mas a gente passava e pensava, aqui era a casa deles, e não sei o quê. Então era uma coisa gostosinha, né? A gente estava vivendo uma época semelhante a que eles viveram, numa cidade que eles viveram também. E eram pessoas que eu respeitava, como criadores, músicos, artistas, né? E aí eu comecei a fazer práticas meditativas, por minha conta. Aí eu voltei para o Brasil e encontrei meus primos, Os Mutantes. E eu seguia Os Mutantes, eu ia de motocicleta, eu ia atrás deles para assistir os shows. Foi uma época bonita, gostosa. E tive um grande amigo, que também tinha morado em Londres, que chamava Chico. Já faleceu, mas era um grande amigo, era um médico. Na época ele era estudante de medicina, e a gente ficava ouvindo música juntos. Então tinham várias coisas simultâneas que foram me levando a procurar o caminho do zen. E eu acabei indo morar na Flórida, casei com um norte-americano que trabalhava em shows de rock’n’roll, trabalhei em shows de rock’n’roll enrolando cabos de luz, e depois nós fomos morar em Los Angeles, em Los Angeles eu encontrei um emprego no Banco do Brasil, e um vizinho me deu um livro sobre uma das mentais alfa. Era um homem de 86 anos de idade. Ele ia nas livrarias públicas, nas bibliotecas, e nas livrarias, via o que a população estava lendo, o que era best-seller. Quer dizer, eu preciso saber o que o mundo está lendo. Eu achei isso um pensamento muito inteligente, sabe? Porque às vezes a gente não lê best-seller. Ah, isso todo mundo está lendo. Não, é importante saber o que as pessoas estão lendo. O que a maioria das pessoas no mundo está se interessando por. E um dos livros que ele pegou naquela época era Ondas Mentais Alfa, que entrevistava um monge zen. E a resposta que o monge zen, que dá a pergunta do jornalista, era muito boa. Ele perguntava assim, nós podemos induzir o estado meditativo profundo usando eletrodos? E ele disse, claro que sim. Se a ciência diz que é possível, é porque é. Mas por que entrar pela janela? Essa frase mudou a minha vida. Eu fui procurar onde ficava o Zen Center de Los Angeles, telefonei pra eles, tinha meditação pra iniciantes, fui até lá e nunca mais saí. Eu descobri que aquilo fazia sentido pra minha vida. A prática da meditação silenciosa, voltado pra uma parede, você não tem estímulos, não tem música, não tem nada. É você penetrando a essência da sua própria mente. É doloroso, é difícil, é complicado e é uma delícia. E eu adorei aquilo. E falei, quero virar monja. Aí o professor falou, não, você vem de uma família católica. E aí, tanto insisti, minha mãe acabou aprovando, e eu recebi os votos monásticos e fui pro Japão, fiquei 12 anos no mosteiro feminino, durante 8 anos e mais 4 anos trabalhando em templos no Japão, tive a graduação, eu sou considerada como se fosse um mestrado de Zen Budismo, mas é um mestrado não acadêmico, é chamado mestrado de prática. Monges são praticantes e não acadêmicos do Budismo. Então, com isso eu acabei voltando pro Brasil, trabalhando num templo na Liberdade, que é da colônia japonesa, fiquei durante 7 anos lá, depois saí pra criar um grupo que era mais aberto, não só pra japoneses e descendentes, e cresceu muito, alugamos primeiro uma casinha pequenininha, perto do Hospital das Clínicas, e aos pouquinhos ficou pequeno, viemos pra cá, e por enquanto ainda estou aqui. Estamos em processo de mudança também, mas ainda não temos certeza pra onde vamos. E estamos construindo em Campos do Jordão. Sem dinheiro pra terminar a obra, aproveito e peço a todos os seus leitores que façam as contribuições que são necessárias.
Marcel Botelho: Monja, tem um filme chamado “Capitão Fantástico”, em que uma personagem é ateia e ela adere ao Budismo como filosofia de vida. Eu gostaria que a senhora definisse o que é o Budismo e dissesse se ele pode ser considerado uma filosofia de vida.
Monja Coen: O Budismo, na verdade, é uma religião de milhões de adeptos. É uma religião. O fato de que não tem conceito de Deus, não deixa de ser religião. Alguns dizem que é uma religião ateia. Não é ateia. Nem nega e nem afirma. É uma religião cujo conceito de Deus não existe, não faz parte. Então nós falamos, Buda é um ser humano, e a palavra Buda significa aquele que despertou. E o que é despertar? É ser capaz de ver a realidade assim como ela é. E essa realidade é feita do que? De causa, condição e efeito. É uma trama de causa, condição e efeito. O que é causa de uma coisa é condição de outra, efeito de uma terceira. Então é uma rede de inter-relações. E nada existe por si só. E aquilo que nós fazemos, falamos e pensamos, mexe na trama da vida. E como é que nós estamos mexendo? Se mexer na trama da vida, é criar karma. Você cria karma benéfico, karma é a ação que vai ter uma reação de volta. Vai ter uma resposta. Então você cria benéfico, neutro ou prejudicial. Como é que nós estamos vivendo? Nós percebemos que estamos interligados a tudo e por isso cuidamos. E uma vez um grupo de freiras beneditinas passou uma temporada no nosso mosteiro em Nagoya. E a minha superiora dizia a ela, o que vocês chamam de Deus, é o que nós chamamos de natureza Buda. E a natureza Buda, a natureza desperta, permeia da menor partícula ao maior espaço. Ou seja, é tudo que existe. Não tem nada separado. E quando a gente percebe isso e que você é esse todo manifesto, há uma mudança de relação com o mundo. Então se torna uma filosofia de vida. Como é que você vive? Acreditando em quê? Que tudo está interligado, interconectado, que o que você faz mexe na trama da vida e que você é um dos elementos muito importantes na existência. Embora você seja nada. Ou seja, uma partículazinha de pó no universo, essa partículazinha de pó no universo está interconectada com todo o resto. E aquilo que a gente faz, fala e pensa, mexe nessa teia. E como é que nós estamos mexendo? Então tem muito de auto-observação, de perceber nossas emoções, sensações, conexões neurais, e como é que a gente usa essa coisa maravilhosa chamada mente humana, que eu digo que é um computador de última geração, que a gente mal usa para somar e subtrair, para a gente poder usar melhor aquilo que é da nossa condição humana. Que não é só somar e subtrair. A gente pode perceber, sentir coisas extraordinárias nessa vida, né? E pra isso a gente pratica meditação. E a meditação não é meditar em alguma coisa, nem sobre alguma coisa. É sentir, perceber-se, descobrir quem você é. Então é uma filosofia de vida, é um processo meditativo, e é uma religião de milhões de adeptos. Se você for pra Ásia, tem pessoas que têm fé em Buda, da mesma maneira que as pessoas têm fé em Jesus. Há pessoas na Ásia que pedem por milagres, que fazem promessas, que andam de joelhos longas distâncias pra pagar promessas porque pediram uma benção. Então tudo isso faz parte da cosmologia budista. Como também faz da cristã. Mas se você pegar um estudioso do cristianismo, talvez você pegar um religioso do cristianismo, e se você pensar um pouquinho nos padres do deserto, eu conheci alguns deles, é uma coisa bonita, tinha um deles que ele entrou pra ser padre do deserto e disseram, mas se você ver Jesus, você não pode ficar aqui. Se você começar a ter visões, você não pode ficar aqui. E um deles chegou um dia na hora das preces, deitou-se no chão e disse, vocês tiraram Deus de mim. Porque eu tinha fantasia sobre o que era Deus. Percebe? Então, quando você encontra o sagrado, não tem fantasia sobre. O Zen trabalha um pouco isso, o que é o sagrado? E aí tinha um monge maravilhoso chamado Bodhidharma no século VI, que diz o que é sagrado? Ele fala assim, nada. Porque se tudo é o sagrado, se tudo é onisciente e onipresente, onde é que está o sagrado? Tá no altarzinho? Tá na luzinha vermelha? Tá numa medalhinha que eu carrego no peito? Ou tá em toda parte? Então eu nego a presença de Deus quando eu digo que eu vou rezar pra Deus. Quer dizer que Deus não está sabendo o que está acontecendo comigo. Eu tenho que pedir pra ele, porque ele não sabe? Ou ela, seja lá o que for, né? Nos grupos femininos agora tem a deusa, né? Então a gente tem que prestar atenção, que o budismo não tem essa noção de uma entidade separada da criação. A criatura e a criação estão juntas. Não tem um elemento, não tem uma inteligência que esteja separada. Nós somos essa inteligência. E alguns de nós percebem isso. A gente não é inteligência total, mas a gente faz parte dessa grande, essa grande mente, né? Esse grande nós. Que não é eu separado, é nós. Agora a nossa mente humana, e a gente é educado pra uma individualidade separada, né? Eu e os outros, né? A gente tem sempre essa ideia, mas a gente percebe e a prática do Zen é pra você perceber que você não está separado de nada, nem de ninguém. Nem mesmo das pessoas que você não gosta. Nem mesmo aqueles que tem pontos de vista opostos aos seus. Nem mesmo aqueles que você acha que são maus, perversos, porque em nós também existe maldade e perversidade. A única coisa é que a gente escolhe não ir por esse caminho. Mas às vezes vem um pensamentozinho, vem uma falinha, salta um veneninho, né? E é quando a gente percebe isso, a gente fala qual é a diferença de um Buda, de um praticante que despertou? Na hora que percebe que saiu da rota, volta pra rota. É só isso. Não quer dizer que nunca mais vai sair. Você é um ser perfeito, agora eu sou budista, sou um ser perfeito. Não é nada. É perfectível, né? Você pode melhorar, mas você tem que observar e ver. Nossa, saí do caminho. Falei uma besteira, magoei alguém, nossa. Fiz uma piada imprópria. Que vergonha, né? E aí eu volto e falo assim, nossa, eu me arrependo, peço desculpas às pessoas e me comprometo a nunca mais repetir essa a mesma falta, esse mesmo erro, né? Então, é uma filosofia de vida nesse sentido, que eu sou o todo e o todo está em mim e que por isso eu cuido com respeito de todo o meio ambiente, a natureza, o ecossistema, da mesma maneira que eu tenho que cuidar este ecossistema e este meio aqui que sou eu, né? Essa pele, esse saquinho de pele que a gente é. Tem que cuidar com respeito e dignidade, né? Não pode abusar dele, porque senão ele desencadeia várias coisas que não são benéficas pra nós e pro mundo. Então a gente cuida com respeito da nossa mente, ela é preciosa. Uma das coisas que Buda dizia é que a coisa mais preciosa do ser humano é a consciência. Então que a gente não devia tomar droga, se embriagar, não porque seja feio, mal, perverso, mas pra não perder a noção de quem você é, e do que você está fazendo. Que é a coisa mais importante. A gente tem as questões fundamentais, quem sou eu, o que sou eu, o que é vida, o que é morte. Então é uma filosofia porque as filosofias tratam dessas questões e da espiritualidade. E tem um professor em… Eu gosto muito dele, Francesco Latorralba. Ele é de Barcelona. Ele escreveu um livro que se chama Inteligência Espiritual. Que é a base das filosofias. As perguntas básicas. Quem sou eu? Por que nasci aqui agora? O que é a morte? O que nós estamos fazendo? Que propósito tem a vida? Será que tem propósito ou não tem propósito, né? São as perguntas básicas de todos os grandes filósofos. Isso, ele diz, é comum a todos da espécie humana. Em algum momento da vida, nos perguntamos isto. Em algum momento da vida, pusemos embaixo do tapete. Ah não, isso aí incomoda, não vou pensar. Ele diz, os seres que vão atrás disso, são as pessoas que não deixam quietas essas questões. E a gente tem que perguntar, tem que duvidar. E quando encontra uma resposta, sabe que ela não é definitiva. Que dela pode surgir, pode desencadear outras perguntas e outros questionamentos. Então a vida passa a ser muito interessante. Porque é sempre uma descoberta. Entendi isso. Isso leva a quê? Qual foi a causa? Qual é a consequência? E como se manifesta? Isso beneficia outras pessoas? Beneficia a vida do planeta? Ou beneficia só a mim? E eu estou separado de alguém? Não estou, né? Então quando eu cuido do que está no meu entorno, eu estou cuidando de mim também. Se eu pensar, vou cuidar só de mim, eu não estou cuidando de nada, porque eu fiquei fechado, limitado. Quando eu saio da ideia da individualidade pra do coletivo, né? Mas a gente nunca perde a individualidade, né? O ego, como dizia Freud, ele é importante. Se eu estou com fome, eu que tenho que comer, não adianta eu dar comida pra você com fome, voce vai comer, mas a minha fome não vai passar. Então eu tenho que cuidar de mim. E as necessidades biológicas têm que ser respeitadas, né? E cada um de nós é único. Tem magrinho, tem gordinho, tem alto, tem baixo, cada um é como é. E não pode se criar um padrão único pra humanidade. Isso aqui é bonito e tem que ser assim, não pode. A beleza é a diversidade. E tinha um professor que dizia assim, imagine que a gente escolhesse uma pessoa, vamos dizer você, dizia assim, esse aqui é o tipo ideal de beleza do mundo. Então agora todos vão ser iguaizinhos ao Marcel, todos. A gente vai falar de beleza se todo mundo for igualzinho a você? Não. A gente vai falar porque tem diferenças. Se somos todos iguais, com a mesma cara, o mesmo corpo, a mesma maneira de pensar, de falar, não tem. É a diversidade que torna uma coisa que a gente fala, né? As linhas de ouro, né? As proporcionalidades de testa, de olho, de nariz, de boca, né? Ai que bonito! E são as proporcionalidades do que? Da natureza, do natural, assim como é. Não é botox, né? A gente põe, muita gente põe botox, tudo bem, não tenho nada contra isso. Mas a gente quer manter uma aparência de quando era mocinha, quando é bonita também a aparência da velhice, né? Do envelhecer, das ruguinhas. Porque quem não envelhece é porque morre cedo. Então a gente apreciar as várias fases da vida, né? E claro, se você tem alguma doença, se alguma coisa está prejudicando o olho, não está enxergando, que a pálpebra dos olhos cai assim, né? Não enxerga mais, aí corta um pedacinho, aí tudo bem, né? Mas que não exagere, né? Então a gente fala no budismo que o principal é o caminho do meio, que é sem excesso e sem falta. Nada está faltando e nada está sobrando. É o caminho do equilíbrio. Isso é importante para nós. Então Buda, a gente chama de Buda, é a pessoa que desperta, é a pessoa que lê os sinais do caminho. A gente está andando na nossa vida, a vida é uma jornada, é como se você estivesse na estrada, né? E de repente tem um sinal luminoso e se o sinal dá vermelho, a gente para. Se atravessa um sinal vermelho, você pode se machucar, ser ferido. Isso não é só com carros, com motocicletas ou caminhões, é a maneira da gente falar no mundo, da gente estar no mundo. Que às vezes a gente fere ou é ferido. Então, a gente fala, a pessoa sábia é aquela que lê os sinais do caminho. É hora de parar, é hora de continuar, é hora de esperar um pouquinho. E aí você vai vivendo em harmonia com tudo e todos.
Marcel Botelho: Tanto para os jovens, quanto para os adultos, a vida atual não é fácil, nós temos muita pressão para ser bem sucedido, a rotina é corrida e até nos momentos de lazer parece que tudo é acelerado, queremos assistir todos os filmes, jogar todos os jogos e acabamos nem nos divertindo, como a meditação pode ajudar no dia a dia? E eu li também estudos que a meditação ajuda na depressão e na ansiedade, gostaria que a senhora falasse sobre isso.
Monja Coen: A meditação é comprovado cientificamente que ela faz mudanças e mudanças fisiológicas no cérebro. Crescem células em lugares diferentes. Eu não sei os detalhes sobre isso, mas os neurologistas falam muito sobre isso, a importância da meditação. A meditação nos dá foco. Foco significa que eu posso fazer mais coisas em menos tempo. Isso é importante. Queremos fazer, o mundo está acelerado, porque nós estamos acelerados. Não tem nada errado com isso. Nós não estamos na pedra lascada, nós não estamos vivendo no século XVIII, nós estamos neste século que é rápido, que é acelerado, e que a gente quer fazer muitas coisas, e a gente pode fazer muitas coisas. E pode fazer até simultaneamente. Dependendo do tipo de inteligência, de capacidade de cada um, a gente pode fazer. Eu tive grandes colegas de redação, que falavam com três, quatro pessoas ao mesmo tempo, datilografavam, e ouviam música, tudo junto. Existem pessoas que têm essa capacidade. Não é todo mundo. Alguns de nós temos essa capacidade. Então não é dizer que todos têm que ser assim, ou ninguém pode ser assim. Cada um de nós é único nesse mundo. E eu preciso conhecer minhas habilidades e meus talentos para desenvolvê-los mais. Não para dizer, se eu acho que eu tenho talento e paro aí, não serve pra nada. Eu tenho um talento e vou desenvolver, vou aplicar, vou sentir paixão por isso, obsessão por isso, vou querer fazer mais. E vou fazer cada vez melhor. Então eu me entrego para as minhas tarefas. Eu sinto prazer no que eu faço. E quando eu sinto prazer no que eu faço, eu faço por mais tempo, com mais foco. Isso é importante. E o Zen e a meditação ajudam a esse foco, essa presença pura que eu chamo, está em ter o presente onde você está. Então a meditação é comprovada cientificamente que há mudanças em células cerebrais que se multiplicam e que são benéficas para o sistema. Dizem que na Holanda eles perguntam às pessoas se elas meditam ou não. Quem medita paga menos para serviços de saúde. Porque a recuperação de doenças, a cura é mais rápida. Então o processo meditativo nos ajuda, não só na depressão e na ansiedade, mas em processos de curas físicas. Porque a depressão e a ansiedade não estão separadas do nosso corpinho. Tudo acontece neste corpo, que eu chamo de saco de peles, que era como Buda chamava. É um saco de peles, onde dentro tem todas as possibilidades. E a gente vai escolhendo as que a gente quer desenvolver e as que a gente não quer. O que você não quer desenvolver, atrofia. O que você quer desenvolver, cresce. Então são escolhas nossas. Mas será que nós temos escolhas nós mesmos? Ou não somos influenciados por tudo que está à nossa volta? Não tem um eu separado. Então sou influenciado pelos meninos que fazem jogo comigo, para o pessoal da escola, quem é da minha turma, quem não é. Aquela professora legal, aquela não é. E às vezes os professores não sabem ser bons professores. E há pessoas que ficam não gostando de uma determinada matéria, porque o professor não soube transmitir bem. Então não é que você não tem a qualidade e qualificação para aquele estudo.
É que aquela pessoa não soube mostrar pra você como isso é importante e gostoso, como é bom. Porque talvez não sentisse isso. E a gente é muito sensível, né? A quem está nos educando, quem está à nossa volta. E nós temos uma capacidade, cada geração tem essa capacidade elevada, uma potência maior, de fazer mais coisas em menos tempo. Agora dá essa ansiedade que eu quero fazer tudo. O que eu descobri é que a gente, as redes sociais, elas são o nosso novo brinquedo. E no começo a gente quer brincar muito com o brinquedo novo. Mas o brinquedo novo também cansa. A gente quer outro brinquedo. Então a gente começa a pôr as coisas, né? Aquelas máscaras de coisa visual, né? Que você vai ver um campo diferente, hologramas, etc. A gente quer novidades. A gente não quer só ficar passando o celular e vendo o WhatsApp de todo mundo. Isso é legal, mas cansa. Por exemplo, os algoritmos sabem que eu gosto de cachorro. Você não acredita a quantidade de historinha de cachorro que eu vejo, mas chega um momento você cansa. Por mais prazeroso que seja, cansa. E você procura outra coisa. Então eu acredito que nós somos muito rápidos de aprender e descartar. E aí queremos outra coisa. E como não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo, nós temos que aprender também a dizer não, a selecionar. Eu vou dar mais tempo pra esta atividade, não só porque ela é prazerosa pra mim, mas porque sendo prazerosa pra mim, também beneficia a quem fez o game, aos meus colegas que estão brincando comigo. E a necessidade lúdica que todos nós temos. Que não é só trabalho, trabalho, estuda, estuda. Nós somos seres integrais, com várias necessidades diferentes. E não adianta dizer, eu vou atender todas hoje, não. Hoje eu vou jogar mais. Hoje eu vou estudar mais. Então você vai percebendo o que que você precisa dar um pouquinho mais de atenção hoje. Não é todos os dias. Vai ter uma prova de não sei o que. Vou estudar pra prova. Eu vou me divertir pra estudar pra prova. Vou fazer disso um jogo. Vou fazer disso uma brincadeira. Então eu vou aprender com todas as coisas lúdicas que me dão prazer como é que eu faço isso pra estudar uma matéria que eu achava que era maçante. E ela não é maçante, é que eu não sabia estudar. Eu que não percebi que tinha graça. Porque tinha umas porcarias de professor que não me ensinaram a apreciar aquela matéria. E aí você muda a realidade, né? A gente tá transformando a realidade pra nossa vida, nosso olhar e nossa presença. Então, jovens, o mundo é seu. Você é o futuro. Eu tenho 77 anos, esse ano faço 78. Se eu viver mais 20 é muito. Mas a gente não perde o prazer da vida. E fico ansiosa, é claro que fico ansiosa. A monja nunca fica… Fico muito ansiosa. Pessoal que trabalha comigo fala assim, respira, monja. Sabe? Somos seres humanos. Não é dizer que quem medita fica menos ansioso, não. Você percebe a ansiedade e sabe lidar com ela. Nossa, o batimento cardíaco está acelerando. Estou brava, estou com raiva, estou brigando. Solta o ar, inspira e expira. Três vezes. E volta para o eixo de equilíbrio. E de novo vem outra coisa, que é a alegria. Da expectativa, a ansiedade boa existe, né? Ah, vou fazer aquilo que eu gosto, vou encontrar aquela pessoa que é legal. Ai, que coisa boa. A ansiedade não é ruim. Ela até nos motiva a trabalhar e fazer coisas. Se eu não tenho ansiedade nenhuma, o que é isso? Eu sou uma coisa morta. A gente tem que ter estímulos. O nosso processo mental, tanto o eletrocardiograma como o eletroencefalograma, são ondas que sobem e descem. Quando ele fica retinho, é porque morreu. E nós precisamos desses estímulos, que é positivo e negativo. Mas a gente tem alterações. E essas alterações é vida. E vida é movimento e transformação. E é incessante. Porque a morte também é movimento e transformação. E está tudo o tempo todo mexendo e se transformando.
Marcel Botelho: Eu queria saber da senhora o seguinte. O Schopenhauer, ele dizia que nós temos o desejo de conseguir e o tédio de possuir, e que o ser humano vive nessa eterna busca. Por exemplo, eu quero um carro, comprei um carro, quero um carro melhor, comprei um carro melhor, eu quero um helicóptero, etc. Então quero saber como conseguimos atingir a paz de espírito? E se a senhore acredita em felicidade plena.
Monja Coen: Existe uma coisa chamada contentamento com a existência. Estar feliz de estar vivo e de estar passando por esses altos e baixos e perceber que temos apegos e aversões. Eu quero uma caneta, aí eu tenho, agora ela é minha. Por alguns minutos eu brinco com ela, depois ela é minha, não tem graça. Já acostumei com ela. Mas, às vezes, a gente acostuma e continua gostando e continua usando e sente prazer na companhia e na relação. Então, não é só que a gente descarta tudo, mas a gente transforma, relações são transformadas. Relações de afeto, de amizade, né? Se no começo é uma grande entusiasmo, poxa, tem alguém que pensa como eu, que está fazendo como eu, que legal. Ah, eu já sei como você pensa, mas será? Será que você não se transformou e essa pessoa também se transformou? Porque está tudo em movimento e transformação. Então, existe, sim, o Freud também falava isso, como Schopenhauer, né? O ego ideal está sempre se reformulando. Então, eu consigo isso, eu quero mais, eu consigo isso, eu quero mais, quero outra coisa. Mas que bom, né? Que bom que a gente não está estagnado, a água estagnada só dá bicho, não é saudável, é poluente, né? Então, é tóxica. Então, para não nos tornarmos tóxicos, bom que tenhamos diferentes estímulos que nos provocam a ter uma procura incessante. E tem uma frase que eu repito sempre, que diz assim, a procura é o encontro, e o encontro é a procura. Essa frase era do Papa Francisco, quando ele era bispo na Argentina. É preciosa. Eu vou repetir, a procura é o encontro. Você está procurando, você sabe que existe, senão você não encontra. E quando você encontra, a procura continua. Como você diz, eu tenho essa caneta, eu quero uma caneta melhor. Eu tenho uma caneta melhor, eu quero agora um pincel de caligrafia. Agora eu quero um papel melhor, uma tinta melhor. Eu vou melhorando, eu vou requalificando, eu vou ficando mais especialista. Eu quero mais especiais coisas, e não há nada errado com isso. O que é errado é o descarte desnecessário. Eu jogo fora, não. Como é que pode ser reaproveitado? A gente pode fazer casas de caneta Bic A gente pode construir prédios de caneta Bic, e não dizer, vou jogar fora, não presta. Então, o nosso descarte daquilo que já não é mais necessário para nós, que não é mais útil neste momento, deve e precisa ser reaproveitado. Então nós vamos ter um mundo mais harmonioso, um mundo com menos lixo. Porque se tudo virar lixo… Não, às vezes o que é lixo para mim, é uma coisa preciosa para outro ser humano. Então a gente saber compartilhar das nossas coisas também. Não é só o que é bom para mim neste momento, mas aquilo que não é necessário para mim, pode ser necessário para alguém, em algum outro lugar. E a gente tornar disponível. Muito bem, a nossa conversa é muito boa, você é muito inteligente e muito agradável.
Marcel Botelho: Muito obrigado, querida, e espero que o nosso público venha aderir a meditação. Muito obrigado pela entrevista.
Monja Coen: Agradeço muito a você. Saúde. Beijo.
Para mais informações de como ingressar no Budismo e ter aulas com a Monja Coen, acesse o site.
Um novo templo está sendo construído na cidade de Campos do Jordão, mas para isso acontecer, a Monja e sua equipe precisam da sua ajuda, para saber mais sobre o projeto, clique aqui.
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