ter, 5 novembro 2024

Explorando o universo de League of Legends

Publicidade

Este é um post collab criado e enviado por Júlia Cruz, estudante de Jornalismo da UFF. Siga ela em seu Instagram: @julia.s.cruz.


Trabalhar seis dias na semana, mais de oito horas por dia. Parece com a rotina de muitos trabalhadores brasileiros. Essa realidade não é diferente para Yudi Miyashiro, jogador profissional de League of Legends.

O League of Legends, ou apenas LoL, é o quinto game mais jogado do Brasil, de acordo com números de 2022 da Newzoo, empresa global especializada em dados de jogos eletrônicos. Esse jogo on-line é disputado por dois times com cinco jogadores cada, batalhando em um mapa com o objetivo de destruir a base da equipe oponente. Para isso, os times desenvolvem estratégias para proteger a sua própria base, dominar o campo de batalha e alcançar a base adversária. 

Publicidade

Com um público mundial de mais de 180 milhões de jogadores, o League of Legends também gera outros produtos, como a série Arcane!, da plataforma de streaming Netflix, e campeonatos nacionais e internacionais com premiação em dinheiro na casa dos milhões. No Brasil, o principal torneio é o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL), disputado desde 2012 e conta atualmente com dez equipes. E Yudi Miyashiro joga em uma delas.

Mapa de League of Legends no ano de 2021. Foto: Divulgação/ Riot Games

O que antes era apenas brincadeira se tornou profissão para Yudi. Aos 20 anos, o jovem é proplayer (forma em que a comunidade de LoL chama os jogadores profissionais) na INTZ, a maior ganhadora da história do CBLOL, com cinco títulos. Sob o nome on-line de “NinjaKiwi”, Yudi segue uma rotina normal de trabalho. De terça a sexta-feira, ele chega ao escritório às 10h e treina em equipe por até sete horas. Antes e depois do treino, Yudi ainda joga livremente, totalizando cerca de dez horas de atividades por dia. Sábados e domingos também são para o trabalho, visto que são dias de campeonato. Dessa forma, segunda-feira é o único dia da semana que o jovem jogador profissional tem para descanso.

“Minha jornada para a carreira profissional começou no meu terceiro ano do ensino médio, quando tomei a decisão de virar um proplayer, mostrando aos meus pais que a carreira tinha futuro e me dedicando. No ano seguinte, o segundo ano de quarentena, eu colocava a maior parte do meu tempo nos treinos, consegui alcançar o top 30 do servidor e tive o primeiro contato com o competitivo, jogando em um time amador. Tive destaque nos campeonatos amadores e consegui os primeiros tryouts [eventos ou processos nos quais equipes profissionais de LoL procuram novos talentos]. Depois disso a minha história já é no profissional, começando pela Rensga Academy, até chegar na INTZ”.

– Yudi Miyashiro

Yan Sales, conhecido como Damage, e Yudi Miyashiro, o NinjaKiwi, após vitória da INTZ na primeira semana do CBLOL 2024. Foto: Instagram/ @lolesportsbr

A atração pelos jogos eletrônicos

Competições de videogames não são novidades. O primeiro torneio que se tem registro ocorreu como o jogo Spacewar, em outubro de 1972, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Na ocasião, os jogadores disputaram como prêmio uma assinatura anual da revista Rolling Stone. Já campeonatos de grande porte ocorrem desde 1975, quando a empresa Atari juntou 10 mil pessoas para o Space Invaders Championship.

Em 2023, a Newzoo afirmou que o mercado dos jogos eletrônicos movimentou mais de 200 bilhões de dólares e ultrapassou 3,3 bilhões de jogadores mundialmente. Só no Brasil são cerca de 100 milhões de usuários, tornando o país a quinta maior potência global em número de jogadores. Mas o que faz tantas pessoas se interessarem por games?

Segundo Tarcízio Macedo, jornalista e doutor em comunicação e informação, os jogos atraem pessoas por diversos motivos, como estar mais próximos de determinadas pessoas, mas o principal razão é a diversão e o lazer, uma vez que “jogar costuma ser associado a um momento de liberdade das atividades sérias”, esclarece.

Publicidade

Os jogos digitais ainda acrescentam nessa vivência a capacidade de proporcionar experiências imersivas e interativas apoiadas por tecnologias simulacionais em 3D. 

 “A dimensão estética, o audiovisual e o simulacional, sem dúvida, são elementos que atraem o jogador. Vivemos numa cultura imagética em que os estímulos audiovisuais possuem um apelo significativo entre diferentes gerações”.

– Tarcízio Macedo

O League of Legends, como um jogo digital, possui os atrativos citados por Tarcízio. Seu grande sucesso também pode ser explicado pela própria jogabilidade, que “incentiva a cooperação e a interação entre os jogadores por meio de partidas competitivas e cooperativas”, diz o jornalista. Por ser um jogo em que dois times batalham um contra o outros, Tarcízio Macedo acredita que, assim, o LoL promove o trabalho em equipe e a construção de laços. 

Além disso, o jogo cria uma comunidade em seu entorno, com fóruns, vídeos, sites, grupos de mídia social e eventos presenciais, favorecendo a conexão e troca de experiências entre jogadores. “O jogo promove uma cultura de aprendizado e crescimento dentro da comunidade, em que os jogadores mais experientes muitas vezes assumem o papel de mentores, ajudando os iniciantes a se adaptarem ao jogo. Tudo isso cria um senso de pertencimento e camaradagem”, pensa Tarcízio.

E a comunidade de League of Legends segue crescendo e movimentando dinheiro. Em 2023, a final do principal campeonato mundial do game, o Worlds, registrou pico de audiência de 6,4 milhões de espectadores simultâneos. Em comparação, a maior transmissão ao vivo da plataforma YouTube registrou audiência máxima de 5,2 milhões de usuários, durante o jogo entre Brasil e Coreia do Sul, pelas oitavas de final da Copa do Mundo do Catar. 

O torneio Worlds, além de ser o mais visto, também é o que mais paga. Em 2018, esse campeonato premiou com quase U$ 6,5 milhões, mais de 30 milhões de reais, o maior valor pago numa competição de League of Legends.

Publicidade
A comunidade de League of Legends encheu o Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, para a final do CBLOL, em 2016. Foto: Bruno Alvares/Riot Games

Representação de gênero em League of Legends

Apesar da Newzoo contabilizar que 49% dos jogadores brasileiros são formados por mulheres, a doutora em tecnologia Letícia Rodrigues acredita que a participação feminina na comunidade de videogames é marcada por desigualdades e pressões de gênero, mesmo que em jogos digitais o sexo do jogador não seja um diferencial para seu desempenho.

 “Um estereótipo é que, sempre que uma mulher vai ingressar numa área predominantemente masculina, ela precisa ser perfeita no que faz. Como se para se equiparar a um homem, ela não pudesse cometer nenhum erro. Nos jogos isso é recorrente, se um jogador homem joga mal, ele está num dia ruim, se uma jogadora mulher joga mal, a justificativa vai para o gênero. A longo prazo, isso coloca muito mais pressão no desempenho de uma jogadora do que de um jogador. Porque ela não joga por ela mesma, já que, na visão do estereótipo, ela representa todas as mulheres do mundo”, ressalta a doutora.

Devido a essas diferenças de tratamento, Letícia defende alternativas que visam mitigar o preconceito. Na cena competitiva de League of Legends, o principal projeto é a Ignis Cup, promovido pela própria criadora do LoL, a Riot Games. A iniciativa busca dar visibilidade ao cenário feminino em sua totalidade, acolhendo mulheres cis, trans, travestis e pessoas não-binárias. Além das jogadoras, as apresentadoras e narradoras também ganham maior destaque. O intuito é revelar novos nomes femininos e fortalecer a identidade das mulheres na comunidade.

Na Ignis Cup acontece um processo de identificação muito bacana, especialmente para quem acompanha League of Legends há muito tempo e só viu homens jogando em torneios. É uma sensação muito diferente quando são mulheres e pessoas não binárias jogando. Faz você perceber que é assim que os homens se sentem o tempo todo e o privilégio que eles têm. A Ignis Cup consegue promover esse momento para mulheres e pessoas não binárias, mas os homens podem se sentir assim em todos os torneios principais de LoL.  

– Letícia Rodrigues

Além da representatividade das jogadoras, os personagens dos jogos também podem criar identificação nos membros da comunidade. Em League of Legends, é possível escolher entre mais de 140 personagens, ou campeões, conforme dito na linguagem do game. Cada campeão possui habilidades diferentes capazes de impactar a partida de maneiras distintas. A doutora em tecnologia Letícia Rodrigues aponta que a identificação vai além de se achar parecido fisicamente com um personagem, havendo vários fatores para ocorrer esse fenômeno, como a personalidade, o estilo de jogabilidade do personagem ou até com a história que ele tem. Dessa maneira, o reconhecimento físico não é necessariamente um desses fatores.

Mesmo assim, segundo a doutora, League of Legends, igual aos demais jogos eletrônicos, em geral, ainda propaga estereótipos de gênero com a desculpa de que agrada o público. “Em termos gerais, o LoL ainda se utiliza muito de estereótipos de gênero para retratar personagens masculinas hipermusculosos – remetendo à força e poder; e personagens femininas que ainda estão no estereótipo de femme fatale – a mulher perigosa que usa da sua aparência e sexualidade para seduzir e derrotar seus inimigos”, comenta Letícia. A doutora ainda fala sobre a dificuldade de mudar essa realidade.

Toda vez que o League of Legends tensiona um estereótipo de gênero, seja com personagens homens mais femininos – o caso mais recente sendo do personagem Hwei – ou com personagens mulheres que não estão no arquétipo de femme fatale, a gente vê um embate discursivo na comunidade entre pessoas que se identificam e se sentem representadas ou são a favor dessa diversidade e pessoas que criticam qualquer coisa que desvie desse padrão histórico pré-estabelecido que reforça estereótipos de gênero bem cristalizados.

– Letícia Rodrigues

Alguns dos mais de 140 personagens disponíveis para jogar em League of Legends. Foto: Divulgação/ Riot Games

Essa discussão dentro da comunidade de LoL é analisada como preocupante para Letícia, fazendo com que ainda exista machismo, LGBTIfobia, racismo, etarismo, capacitismo no game. “A sociedade que produz os jogos que consumimos continua imersa nessas problemáticas e isso se reflete no jogo”, reflete a doutora.

Jogos e saúde mental

Motivo de reclamação de muitos pais é o equilíbrio entre jogos e uma vida saudável fora deles. A Organização Mundial da Saúde caracteriza o vício em games como um transtorno mental que interfere negativamente na vida diária e nas responsabilidades pessoais, sociais, acadêmicas ou profissionais de um indivíduo ao longo dos últimos 12 meses, mais ou menos.

O jornalista e doutor em comunicação e informação Tarcízio Macedo acredita que é preciso olhar para o videogame fora do binarismo positivo ou negativo e entender as nuances que a experiência de jogar permite, uma vez que a relação entre jogador e jogo é mais complicada que isso. Ele indica pontos que fazem dessa ligação algo complexo.

“Diferentes personagens permitem que os jogadores explorem diferentes papéis e identidades, o que pode ser uma forma de expressão e autoexploração. Criar e controlar um personagem também pode oferecer uma sensação de empoderamento e liberdade, permitindo-lhes ser quem desejam ser dentro do contexto do jogo. Isso pode contribuir positivamente para a autoestima, fornecendo uma oportunidade para experimentar novas habilidades e características que talvez não se sintam confortáveis em explorar em contextos não-digitais. No entanto, também é importante reconhecer que a criação de personagens e histórias pode ressoar de forma inadequada, especialmente se os jogadores se identificarem excessivamente com os personagens ou se compararem constantemente a eles. Isso pode levar a sentimentos de inadequação ou insatisfação com a própria identidade, especialmente se a imagem do personagem no jogo não corresponder às expectativas ou ideais pessoais”.

– Tarcízio Macedo

Tarcízio também recomenda alguns cuidados que pais podem ter para evitar que os filhos sejam influenciados por jogos da maneira não desejada por eles. “Estabelecer um tempo para o lazer dos games é importante, como em qualquer outra atividade, e cabe aos pais filtrar e conversar sobre o que é abordado nos jogos. É preciso saber e acompanhar o que seu filho joga”. Mas, o jornalista ainda aconselha um cuidado a mais na era em que jogos eletrônicos podem se tornar profissão. “É importante que amigos e familiares estejam atentos a alguns sinais e ofereçam apoio e orientação caso suspeitem do excesso de prática em jogos digitais, mas é preciso, principalmente, conversar. A comunicação aberta pode esclarecer se sua dedicação é em busca de uma carreira ou se está desenvolvendo uma doença”, declara.

Publicidade

Publicidade

Destaque

Crítica | Não se Mexa

O novo filme de terror que chegou recentemente na...

Crítica | Prenda a Respiração

O gênero, além de suas questões diretamente ligadas à...