A euforia do povo brasileiro após a confirmação das 3 indicações de Ainda Estou Aqui para o Oscar 2025 é indiscutivelmente válida. Além do merecido reconhecimento do filme que aborda a luta de Eunice Paiva por justiça e da memorável atuação de Fernanda Torres como a protagonista da história real, essa é a primeira vez que uma produção nacional recebe múltilpas indicações ao Academy Awards desde Cidade de Deus, em 2004, que foi indicado a 4 categorias (Melhor Direção, Roteiro Adaptado, Edição e Fotografia).
Há, por outro lado, aquele inegável medo de que o seu maior concorrente nas 3 categorias (Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz), o franês Emilia Pérez, acabe se sobressaindo, mesmo diante de tantas críticas negativas e acusações de uso indevido de intelgência artificial para aprimoramentos no longa rival. A França e o Brasil já são conhecidos por suas histórias no futebol e também no cinema, já que uma produção filmada e co-produzida por brasileiros conseguiu dar um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para cineastas frances. Estamos falando de Orfeu Negro, também chamado de Orfeu do Carnaval, uma produção ítalo-franco-brasileira de 1959 baseada na peça Orfeu da Conceição (1954), escrita por ninguém menos que Vinicius de Moraes.
Orfeu Negro/Orfeu do Carnaval é uma versão brasileira do mito grego de Orfeu e Eurídice ambientada no Rio de Janeiro durante o Carnaval. O filme contou com a direção do cineasta francês Marcel Camus, que optou por realizar todas as filmagens no Brasil e que o filme seria todo rodado em português, sendo este o primeiro filme de língua portuguesa a conquistar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1960.
De acordo com a sinopse oficial do filme, Orfeu Negro é: “A trágica história romântica entre a jovem Eurídice e o motorista e músico Orfeu. Os dois se conhecem durante o carnaval no Rio de Janeiro e se apaixonam, mas Orfeu tem uma noiva ciumenta. De acordo com a antiga lenda, o amor do casal é acompanhado de perto pela morte, e ele será capaz de descer aos infernos para salvar a sua grande paixão”.
A trilha sonora de Orfeu Negro também contou com grandes nomes da música brasileira: Tom Jobin, responsável pela canção “A Felicidade”, Luiz Bonfá e Agostinho dos Santos, responsáveis por “Manhã de Carnaval”, sendo esta a quinta canção mais grava de toda a história do Brasil, além do próprio Vinicuius de Moraes e Antônio Maria. O filme também contou com uma participação especial do mestre Cartola, um dos nomes mais influentes do samba, o que reforça a brasilidade da produção. Além disso, o longa-metragem foi estrelado pelo famoso jogador de futebol e ator brasileiro Breno Mello, no papel principal de Orfeu, que contracenou com a atriz franco-americana Marpessa Dawn, que deu vida a Eurídice. Outros grandes nomes do cinema, TV e futebol brasileiro se encontram no filme, como: Léa Garcia, Jorge dos Santos, Adhemar Ferreira da Silva e Tião Macalé (Augusto Temístocles da Silva Costa).
Desde a época de seu lançamento, Orfeu Negro chamou a atenção do público e crítica estrangeiros por sua representatividade, repleta de cores e ritmos, do Carnaval do Rio de Janeiro e a junção entre mitologia grega e folclore latino-americano, tendo conquistado a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1959 e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, em 1960, além do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, naquele mesmo ano. No entanto, o que mais chama atenção é o fato de que, apesar de ser uma produção conjunta entre França, Itália e Brasil, além de ter sido totalmente rodado em língua portuguesa, com atores e equipe de produção brasileira (Tupan Filmes) e gravado no Brasil, o filme tenha representado somente a França nas premiações pelo fato de seu realizador ser francês. Isso impossibilitou o Brasil de trazer um Oscar para casa, em 1960.
Venerado no exterior, Orfeu Negro já foi mencionado pelo artista americano Jean-Michel Basquiat como uma de suas primeiras inspirações; e até mesmo citado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, como o preferido de sua mãe. O renomado cineasta Francis Ford Coppola (Trilogia O Poderoso Chefão) declarou que Orfeu Negro é o seu filme brasileiro favorito: “A lenda de Orfeu ambientada com samba e o Carnaval no Brasil. É simplesmente lindo! Sua música e ritmo nunca param na sua cabeça. É um filme memorável e maravilhoso”.
No dia 02 de março deste ano, talvez iremos testemunhar a merecida e tão esperada virada de jogo do cinema brasileiro sobre o francês, com Ainda Estou Aqui faturando a estatueta mais cobiçada do mundo do entretenimento.