Quem foi o Grande Otelo? Ator, pensador, um talento único dentro do audiovisual brasileiro ou apenas uma exceção de homem negro que conseguiu notoriedade em um tempo em que o racismo era ainda mais brutal do que hoje? Tudo isso ao mesmo tempo, talvez.
Vencedor do Prêmio de Melhor Documentário no Festival do Rio 2023, “Othelo, O Grande” tenta responder essas perguntas através do próprio Otelo. Nascido Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Otelo, é um dos maiores atores e comediantes da história do Brasil, testemunha da luta por espaço de pessoas negras no cinema brasileiro.
Dirigido por Lucas H. Rossi dos Santos e produzido por Ailton Franco Jr., o filme estreia no dia 5 de setembro nos cinemas brasileiros. Com mais de 300 horas de material à disposição, a obra chegou em seu corte final após minuciosa análise feita por seus realizadores. O longa revela ao grande público e apresenta para as novas gerações as diversas facetas do artista. Otelo trabalhou com cineastas como Orson Welles, Joaquim Pedro de Andrade, Werner Herzog, Julio Bressane, Marcel Camus e Nelson Pereira dos Santos, entre tantos outros, e usou esse espaço para moldar sua própria narrativa e discutir o racismo institucional que o assombrou por oito décadas, duas ditaduras e mais de uma centena de filmes. Narrado em primeira pessoa e utilizando imagens raras de arquivos, feitas em pesquisas na Cinemateca Brasileira e em vários outros arquivos no Brasil e nos Estados Unidos, o filme é produzido pela Franco Filmes, em coprodução com Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil, RioFilme e Baraúna Filmes, e conta com distribuição da Livres Filmes.
O documentário também participou de diversos festivais nacionais e internacionais, como a Mostra de S. Paulo, o 17º Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul; 18º Festival Aruanda, onde recebeu o Prêmio de Melhor Montagem; foi o filme de abertura do 3º DH Festival – Festival de Cultura em Direitos Humanos e do 5º Pirenópolis Doc – Festival de Cinema Documentário e da Roda Sesc de Cinemas Negros; também participou do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador; da Mostra “O Corpo Negro 2024”, realizada no Sesc RJ; da 19ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto e teve sua estreia internacional no prestigiado festival Blackstar no EUA, considerado o Sundance do cinema negro. Também passou pelo 17th Bali International Film Festival – Balinale; e acumula outras seleções em festivais internacionais previstos para o segundo semestre.
Brilhante, vencedor contra todas as probabilidades, se tornando um dos maiores atores brasileiros do século XX. Negro, órfão e neto de escravizados, ele desafiou o racismo estrutural ao eternizar seus personagens no cinema e na TV, abrindo caminhos para as futuras gerações de artistas negros.
O filme oferece uma visão íntima e pessoal do homem que se tornou um ícone, deixando um legado inestimável na cultura brasileira. “Eu gosto de imaginar Otelo como um Exu, um orixá que abriu os caminhos para que pessoas negras pudessem estar aqui hoje, trabalhando com arte e cultura no Brasil, inclusive eu. A partir disso, o papel dele é de extrema importância, pois ele conseguiu abrir essa trilha para nós e colaborou não só como artista, mas como um Griô (ancestral que tem por vocação preservar e transmitir as histórias e conhecimentos do seu povo)”, explica Lucas H. Rossi.
A linguagem do filme tem como foco a abordagem do sujeito Sebastião por ele mesmo, em primeira pessoa. Negro, ator, umbandista, pai de cinco filhos e um homem cheio de feridas expostas ao lutar contra o racismo em uma vida marcada por tragédias desde a infância até a sua morte. Esse filme tem o objetivo de humanizar, desconstruir e desmistificar sua história com o humor típico de Grande Otelo. A escolha de fazer um filme todo de material de arquivo e de colocar Otelo para contar sua própria história foi um gesto para deixá-lo conduzir sua própria narrativa e não deixar que ninguém interferisse nela.
Ao abrir mão de trazer depoimentos de fora, a produção capta essencialmente a alma de seu protagonista, se afastando de possíveis narrativas exóticas e mistificadas sobre o artista. A necessária homenagem reabilita a imagem de Otelo para um público que tem deixado cair no esquecimento a memória desse talento ímpar. “Este documentário é também uma releitura política sobre Otelo e um resgate histórico da memória deste ícone da cultura brasileira que, como sempre, proporcionou ao público negro brasileiro excelentes oportunidades para se reconhecer nas telas”, reflete Rossi.