Meninas Malvadas talvez seja um dos maiores ícones do cinema adolescente dos anos 2000, uma comédia que capta as particularidades de ser jovem para divertir o espectador. Em um contexto mercadológico atual, onde o passado retorna em moldes contemporâneos — não por acaso vemos tantas franquias antigas sendo revisitadas — seria quase inevitável que o maior símbolo da cultura pop dos anos 2000 não ganhasse uma nova versão. Assim, Meninas Malvadas: O Musical foi uma grata surpresa para mim, principalmente ao descobrir que seria adaptado para o formato musical, uma revelação que, confesso, me animou bastante. Adoro musicais e o potencial criativo que eles possuem. Afinal, estamos falando de uma forma de arte que abraça o exagero e o fantástico, e o musical, em si, é a manifestação mais pura e libertadora do cinema. Minha empolgação aumentou ao saber de sua existência em uma época em que, ironicamente, o público — especialmente os mais jovens — tende a rejeitar o que parece “falso” ou “irreal”.
O novo Meninas Malvadas pode não alcançar o impacto do original, mas definitivamente encontra seu lugar ao adaptar a história para um recorte geracional tão pertinente. O filme capta a essência do clássico de 2004 e a reformula para um contexto completamente “Gen Z”, explorando as características marcantes dessa geração. Ao reimaginar a trama em formato de musical, o filme intensifica sua abordagem da vida hiperconectada, capturando o espetáculo constante em que essa geração vive, mergulhada nas redes sociais e na busca incessante pela aprovação alheia. Esse formato musical se torna ainda mais fascinante, pois desafia a obsessão contemporânea pelo realismo, funcionando como uma crítica e um espelho ao mesmo tempo. Vivemos numa sociedade que apresenta um retrato seletivo e artificial da “vida completa” por meio das telas, e o filme explora essa falsa autenticidade de maneira inteligente e visualmente provocadora.
A direção de Arturo e Samantha se destaca justamente por criar uma estética visual que acompanha o ritmo acelerado e o imediatismo que definem a experiência do público jovem. Com uma montagem repleta de cortes rápidos e hiperestimulantes — característica dessa geração — e a inclusão de ângulos que simulam o enquadramento de uma câmera de celular, o filme reforça o impacto das redes sociais na construção da identidade adolescente. Essa linguagem visual permite que o espectador entre na mente dessa geração, onde realidade e fantasia se misturam e a vida se torna um eterno show, filtrado pelas lentes das mídias digitais.
O humor adolescente possui uma particularidade interessante: ele transforma o absurdo e o erro em elementos cômicos, fazendo com que situações constrangedoras, ou até mesmo episódios de bullying, despertem risos. Isso acontece porque entendemos a natureza “maldosa” do adolescente, esse ser em constante construção e carregado de impulsos contraditórios. Essa abordagem não é novidade para a franquia Meninas Malvadas — já estava presente no filme de 2004 —, mas em O Musical, ela é levada a um novo estágio, especialmente na forma como explora a presença massiva e a dualidade das redes sociais.
Neste novo filme, os jovens estão constantemente com seus celulares, quase como se fossem armas prontas para disparar. Um simples deslize pode ser instantaneamente capturado e transformado em uma arma de vergonha pública, dando ao filme um toque de humor afiado que reflete as ansiedades da geração atual. O musical ressalta essa dinâmica constantemente, criando uma atmosfera em que heróis se tornam vilões e vilões se tornam heróis com a facilidade de um toque na tela, um corte rápido, ou uma mudança de ângulo. Esse jogo de papéis e a manipulação de imagens demonstram como a percepção e a reputação se tornam voláteis sob a constante vigilância das redes sociais.
O uso desses dispositivos visuais e narrativos é um comentário sobre a fluidez da identidade em um mundo digital, onde tudo pode ser construído, destruído e reconstruído em segundos. Assim, o filme não só abraça o humor adolescente como também critica a superficialidade e a teatralidade das interações. Ao explorar esse cenário, Meninas Malvadas: O Musical revela a fragilidade das máscaras sociais que os jovens adotam para se proteger ou para atacar, usando o absurdo de maneira inteligente para expor as contradições da era digital. É uma atualização que mantém o humor ácido do original, mas que se torna ainda mais relevante ao refletir sobre a vulnerabilidade e a crueldade amplificadas pelo poder das redes sociais.
É nesse jogo de duplicidade que o musical se encontra — um mundo de duplos, de olhares ambíguos, de vidas duplas. Aqui, a música manifesta os desejos e pensamentos desses jovens, proporcionando um espaço onde eles podem, por meio dela, expressar aquilo que, na realidade, raramente se atreveriam a expor. Quando eles cantam, parece que mergulham dentro de si mesmos, removendo a máscara que usam no cotidiano, como se a música revelasse um pedaço autêntico de suas personalidades escondidas.
Esse elemento poderia soar excessivamente sério se descrito de forma isolada, mas os diretores acertam ao estruturar esses momentos de maneira leve e divertida. Cada número musical é cuidadosamente trabalhado para combinar com o humor, tornando esses marcos engraçados e descontraídos, sem perder a complexidade de seu tema. Na verdade, a comédia tem usado esse tipo de recurso desde a Grécia Antiga, quando o humor era uma ferramenta para criticar o governo, pensadores, e a sociedade da época. Esse disfarce cômico permite que o musical trate de temas “densos” e críticas sociais ao “mascarar” sua mensagem, criando um terreno em que o público pode rir enquanto reflete sobre os exageros e contradições da vida moderna. Meninas Malvadas: O Musical não é exatamente um marco temporal, tampouco geracional, e provavelmente será esquecido com o tempo. No entanto, isso não tira seu mérito: é um filme divertido que aborda bem com as questões de uma geração tão singular.