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    Crítica | A Lenda de Candyman

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    Um dos componentes mais interessantes para descrever este A Lenda de Candyman está justamente no seu título nacional. Sequência direta de O Mistério de Candyman, dirigido por Bernard Rose e lançado em 1992, o filme não faz apenas uma atualização precisa do comentário contido na mitologia. Ele é também uma ressignificação do terror da premissa, que se aproveita da ideia de lenda e legado para construir sua própria visão.

    Dirigido por Nia DaCosta (Passando dos Limites) e produzido por Jordan Peele (Corra! e Nós), que também assina o roteiro, o filme acompanha o pintor Anthony (Yahya Abdul-Mateen II) e sua namorada Brianna (Teyonah Parris) do momento em que se mudam para seu novo e requintado apartamento em Cabrini. Os conjuntos habitacionais vistos no primeiro filme foram demolidos, mas, a certa altura, o protagonista conhece um antigo morador que lhe conta sobre as histórias do Candyman que ouviu – e experenciou – na infância. Prestes a lançar seu trabalho numa exposição da galeria da qual sua namorada é diretora, Anthony percebe naquelas histórias uma grande fonte de inspiração para suas obras, o que irrevogavelmente traz a lenda de volta à vida.

    Há um momento no filme em que uma crítica arrogante comenta o quanto a relação (direta ou não) da arte de Anthony com os assassinatos torna sua obra “eterna”. Mesmo que a questão artística não seja tão expressiva para os rumos da narrativa, como acontece por exemplo em Velvet Buzzsaw (2019), não deixa de ser um elemento simbólico significativo.

    As telas em A Lenda de Candyman não são meras ilustrações temáticas: são um portal tanto para o retorno do vilão sobrenatural quanto para uma nova forma da sua representação. Enquanto em 1992 eram os “sussurros nos banheiros e corredores” que perpetuavam sua memória, aqui ela é reproduzida através do olhar e da sensibilidade artística do personagem central. Ou seja, a partir de uma perspectiva particular.

    Em grande sintonia com os temas propostos por Peele no seu cinema, Nia DaCosta expande o conceito do “monstro” numa ideia bem mais complexa do que aquela do “fantasma torturado” do longa anterior, colocando o Candyman como uma ameaça ambígua desde sua primeira aparição (na prática, quem é de fato o vilão?). Nada mais adequado, desse modo, do que um protagonista com motivações e caráter igualmente ambivalentes, que parece não ligar a mínima para a morte brutal de alguns conhecidos e testa a vida de outra pessoa por pura vingança pessoal. (Fica nítido mais uma vez como o lugar de fala na direção e no roteiro promove não só protagonismo e problematizações, mas principalmente complexidade moral aos personagens).

    Essa ambiguidade, entretanto, se reflete apenas na ordem simbólica de A Lenda de Candyman. O trato da diretora com as cenas e violência é franco, direto ao ponto e, ocasionalmente, gráfico – mas também não é sádico. Reservando as imagens mais grotescas para o extracampo e trabalhando pesado nos ruídos, Nia DaCosta evita sem afetação o caminho fácil dos jumpscares (muito presentes no primeiro filme) e encontra elegantes formas de lidar com as mortes para que não fiquem repetitivas ou simplesmente previsíveis. E a cena no banheiro do colégio – que não possui nenhuma conexão direta com a trama – é a demonstração mais absoluta da diferença que pode fazer uma diretora negra numa set piece convencional de horror.

    Na transição do segundo para o terceiro ato, há um perceptível (ainda que não muito comprometedor) subdesenvolvimento de personagens secundários e sobretudo de clima. Embora o desfecho em si seja um bocado satisfatório – e evidencie bem a mão do produtor e co-roteirista -, suas resoluções soam apressadas para uma construção de ritmo tão deliberado.

    Definitivamente o filme de Bernard Rose tinha um aspecto mais macabro e medonho, evocado por aquela ambientação decadente, desvãos escuros e corredores sujos. Havia ali uma sensação de pesadelo, de incerteza entre realidade e ilusão. Em A Lenda de Candyman isso é substituído pela sobriedade da decupagem, pelo realismo das interpretações e por essa redefinição de carga social da figura maligna. É certo que tais características estão em voga no terror contemporâneo de prestígio há bons anos, mas aqui, felizmente, a serviço de um conjunto que as justifica.

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