O trabalho em torno do suspense é um dos mais difíceis dentro de uma construção narrativa. É preciso estabelecer bem o espaço, os personagens que se tornarão suspeitos e a credibilidade do crime que aconteceu/acontecerá. Mais do que jogar com as revelações — essas, por sua vez, essenciais —, um bom drama de suspense está diretamente associado a essas três características. Qualquer livro de Agatha Christie deixa isso claro ainda nos primeiros capítulos, abrindo caminhos para rumos possíveis, mas sem nunca perder de vista o ponto de culminância em um local onde tudo ficará claro para o leitor e para os personagens. A partir desse molde, diversos autores, seja na própria literatura ou no cinema, tentaram (e ainda tentam) dar conta de construções narrativas que mesclam o exercício do suspense com a escrita.
Esse não é o caso de A Mulher na Cabine 10 (The Woman in Cabin 10), dirigido por Simon Stone baseado na obra homônima de Ruth Ware. Ao transpor para o cinema a obra literária, é perceptível que o diretor se anima com a ideia de reunir o elenco em um único espaço onde toda a trama se desenrola, aos moldes de Morte no Nilo ou E Não Sobrou Nenhum, ambos de Christie. Contudo, falta a ele a mesma habilidade na construção das três características que destaco no início do texto: domínio do espaço, dos personagens e da credibilidade do crime.
O primeiro ponto deve-se exclusivamente a Stone, que opta por um trabalho de câmera que se ancora (sem trocadilhos intencionais) na montagem. Em outras palavras, todos os cenários do filme surgem à medida que são necessários, aproveitando-se do tamanho do iate não como ferramenta de construção dramática, mas como espaço para exibir plasticidade. O resultado é uma espacialidade que se apresenta como vitrine para satisfazer a progressão narrativa imediata. Isso faz com que o iate, em vez de um espaço dramático pulsante, se torne um simples cenário de passagem, um fundo intercambiável.

Essa superficialidade do espaço se estende também ao modo como os personagens o habitam. À exceção dos protagonistas (leia-se Keira Knightley e Guy Pearce), nenhum dos outros personagens surge como minimamente suspeito, com alguns deles parecendo em cena mais componente cênico do que figura elementar para o enredo — isso fica evidente quando um dos personagens simplesmente decide sair de cena, sendo que sua participação serviu apenas a um momento musical. Ou seja, percebe-se que há um desencaixe: personagens servem à cena como manequins em vitrine, os diálogos parecem flutuar sem qualquer impacto no desenvolvimento, e as ações carecem de coerência espacial. Em filmes desse gênero, isso é particularmente grave, pois o suspense depende justamente dessa organicidade, do modo como o espaço e o tempo se articulam para gerar expectativa, engano ou revelação.
Eis então que chegamos à questão da credibilidade do crime. Não me refiro aqui à verossimilhança do que acontece, mas a como a narrativa se engendra na construção do evento. Em outras palavras, não é o crime em si que precisa convencer, mas a forma como ele se instala na lógica interna do filme. Quando a encenação não oferece lastro suficiente para que o gesto criminoso surja como necessidade ou fatalidade, o suspense se dissolve, tornando-se mero artifício. Em A Mulher na Cabine 10, a ação que deveria mover a trama parece surgir mais como uma obrigação de roteiro do que como resultado da tensão entre os personagens. Falta, portanto, o peso do inevitável, isto é, aquela sensação de que o crime não poderia deixar de acontecer, e que tudo o anunciava. É nesse ponto que a obra revela sua fragilidade: o crime existe, mas não reverbera.
Simon Stone acredita estar entregando um forte suspense, mas na verdade apenas reproduz uma lógica de imagem que, como já venho dizendo em outros textos, deglute tudo da forma mais simples para que haja determinado impacto pelo choque e não pela construção. A grande revelação da narrativa é muito mais um instrumento de chamar a atenção do público que se divide em duas telas do que, de fato, um desejo pelo desenvolvimento narrativo. Estamos diante da consolidação da estética da atenção, isto é, de um cinema que opera pela distração. A imagem, nesse contexto, é mero estímulo, pronta para ser consumida e esquecida.


