Em 2020 Emma Seligman fez sua estreia como diretora com o aclamado “Shiva Baby”, esse ano ela repete a parceria de sucesso com Rachel Sennott em seu novo projeto “Bottoms” – que, diga-se de passagem, ganhou uma das melhores traduções em português de todos os tempos: Passivonas.
“Bottoms” é um “buddy movie”, termo usado para descrever um subgênero da comédia, no qual dois amigos saem em busca de aventuras ou criam planos mirabolantes e acabam se metendo em várias enrascadas ao longo da jornada. Aqui Sennott e Ayo Edebiri (The Bear) dão vida a duas adolescentes nada populares que, decididas a perderem a virgindade, acabam por montar um clube da luta feminino para atraírem a atenção das líderes de torcida do colégio.
Apesar de tomar como base um tropo senso comum do cinema, “as amigas excluídas”, a proposta de Seligman, a partir daí, é subverter as convenções dos filmes de colegial através da sátira e do exagero. A começar pela motivação das protagonistas que não é nada nobre, em especial em relação a personagem de Sennott, cujo único propósito de vida é conquistar uma garota “gostosa”. Elas não são mocinhas imaculadas com uma bondade semirreligiosa, são apenas duas jovens com hormônios a flor da pele, lidando com experiências típicas da idade, como o primeiro amor. Já as líderes de torcida são politizadas e inteligentes enquanto os jogadores de futebol são os himbos da vez (semelhante com o que Greta Gerwig faz em Barbie).
Outro clichê contornado pela autora é o fato das amigas não serem rejeitadas por serem lésbicas, mas por serem “gays sem talento”. Na verdade, o filme todo é o oposto de panfletário, ele não ignora os problemas sociais existentes, contudo prefere passar sua mensagem através de uma experiência leve e orgânica, sem espaço para cenas de “palestrinha”. Inclusive, em dado momento eu cheguei a pensar que a cena de discurso sobre união feminina seria inevitável e tive uma grata surpresa quando ela não aconteceu.
A escolha criativa de não parar a narrativa para dar aula ao espectador é certeira, o filme consegue se posicionar sobre suas questões, sem precisar comprometer o ritmo e a fluidez. A verdade é que não há fórmula mágica ou abordagem infalível, existem diretores que são bons contadores de história e outros que não são, Emma Seligman, felizmente, faz parte do primeiro grupo.
Tampouco se trata de um projeto apolítico ou isentão, até porque, um filme sobre lésbicas em que quase todas as personagens principais são mulheres, dirigido por uma mulher queer e estrelado, em parte, por pessoas queers já é, por si só, um ato político de resistência. É preciso enfatizar, no entanto, que essas subversões de conceitos não é invenção desse filme e a obra não chega a ser pioneira ou particularmente revolucionária, ao menos é honesta o suficiente para nem sequer fingir que é.
A comédia demora um pouco para engrenar. De início, o filme aposta em piadas sobre como as meninas são deslocadas, criando situações constrangedoras com diálogos embaraçosos e forçados, resultando em um humor cringe que não funciona. Depois da formação do clube, o exagero é abraçado de vez e tanto o humor físico quanto as piadas faladas passam a surtir mais efeito, no melhor estilo camp. Os destaques são: as aulas do professor G. e os absurdos proferidos com tamanha naturalidade pela Rachel Sennott.
Outra surpresa bem-vinda foi em relação ao nível de “violência” proposto, obviamente que esse tipo de projeto não traz nada extremamente gore, mas os combates são bem menos censurados do que eu imaginei que seriam e a “batalha final” não economiza no sangue falso.
Entre mais altos do que baixos, a proposta trazida é bastante cômica e Emma sabe aproveita-la, as personagens são carismáticas e fáceis de acompanhar, graças a uma combinação de texto bem escrito com atores competentes, tudo isso é amarrado por uma edição dinâmica e músicas deliciosamente nostálgicas – destaque para “Total Eclipse of the Heart” e “Complicateed”. Dessa forma, o resultado final só poderia ser encantador, o pedido perfeito para quem busca uma diversão de qualidade, provando mais uma vez que filmes “descontraídos” não precisam ser sinônimos de desleixo.