sáb, 18 maio 2024

Crítica com Spolier | Barbie

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Após uma das campanhas de marketing mais viscerais já vista para um filme na história recente, o megaprojeto de Greta Gerwig finalmente chegou nas salas de cinema do Brasil e do mundo nesta quinta-feira (20), se tornando a segunda maior estreia em território nacional, ficando atrás apenas de Vingadores: Ultimato (2019) – sendo que esse era o quarto filme de uma franquia, pertencente a um universo cinematográfico ainda maior, além de ter acontecido em um momento pré-pandemia.

Seguindo feitos de Top Gun: Maverick e Avatar II no ano passado, Missão Impossível 7, Oppenheimer e Barbie vieram agora para consolidar a volta do grande público aos cinemas. Nesse cenário, o filme da boneca loira mais amada do mundo, já pode ser considerado um sucesso não só de bilheteria, como também de recepção por parte da crítica e do público. Mas, sobre o que se trata esse filme? E por que ele é tão bom?

Deixando de lado questões adjacentes, como o marketing já mencionado e a nostalgia por um brinquedo tão querido que fez parte da infância da maioria das meninas (e talvez alguns meninos filhos de pais mais progressistas), Barbie é um sucesso absoluto por não ter vergonha de ser exatamente aquilo que é, o filme abraça a estética cor de rosa, o exagero do glitter e a plasticidade que se espera de uma história sobre uma boneca que se tornou símbolo de ideal feminino.

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Logo nos primeiros minutos somos apresentados à Barbieland, um mundo fantástico pintado em tons de rosa e comandado pelas mulheres, no qual a rotina de todas consiste em receber prêmios e se divertir na praia durante o dia, para depois passar a noite festejando no melhor estilo disco com direito a globo de luz e coreografias, os habitantes desse mundo perfeito estão sempre impecáveis, sem um fio de cabelo fora do lugar.

Para dar vida a esse universo, a diretora Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres) reconstrói as famosas casas dos sonhos com um lindo escorregador que desce diretamente para a piscina, o carro da barbie, o congresso cor de rosa, a praia com areia rosa e ondas de plástico que irão causar um ferimento no Ken de Ryan Gosling (La La Land), levando-o a ser atendido por uma ambulância da Barbie que abre exatamente igual aos brinquedos.

Warner Bros

Além dos já mencionados tons de cor de rosa, o filme também abusa de várias cores chicletes e marcantes, seja nos cenários construídos com máxima atenção aos detalhes, ou nos figurinos, por vezes, inspirados em roupas usadas pelas bonecas antigas, tudo isso sendo apresentado ao som de músicas pop constituem uma experiência audiovisual que são o ponto auge da obra.

É uma pena que essa perfeição sensorial seja levemente apressada e, em dados momentos a escolha por uma edição mais dinâmica – que até combina bem com o tom proposto – não nos permite apreciar tudo que Barbieland tem a oferecer. O primeiro ato poderia e deveria ser maior em tempo para que essa magia pudesse ser explorada com a devida calma, afinal quando alguém pensar sobre esse filme, ou comentar ao seu respeito, é bem provável que terá em mente uma cena dos primeiros vinte e cinco minutos. Não que o resto do longa seja ruim – longe disso –, mas quando somos levados ao mundo real seria quase impossível competir com o esplendor apresentado anteriormente.

Assim começa o segundo ato, após Barbie acordar um dia apresentando “defeitos”: mau hálito matinal, calcanhares tocando o chão, pensamentos sobre morte e celulite, ela precisará vir para a realidade, encontrar a menina que está brincando com ela e causando seu mau funcionamento, por “contamina-la” com sua humanidade. A partir daí, Gerwig terá um prato cheio para explorar os temas sobre feminismo e feminilidade com uma maestria que lhe é típica. Aqui existe uma das críticas mais sutis do filme ao sugerir que os “problemas” citados acima só são de fato um problema para uma boneca de plástico, e não é razoável exigir de mulheres de carne e osso estarem sempre em cima do salto ou apresentarem-se sem nenhuma celulite.

No mundo real, Barbie descobrirá os horrores de uma sociedade comandada por homens (dentro dos limites permitidos por uma classificação indicativa de 12 anos, mas de forma suficiente para transmitir a ideia  para o público), ao mesmo tempo que conhecerá a beleza das relações humanas. Afinal, se Barbieland é um mundo de perfeição plastificada, aqui vivemos uma realidade imperfeita, que se torna tolerável graças as conexões emocionais que desenvolvemos. Em uma bonita passagem, Barbie, que nunca envelhece, encontra uma senhora bem idosa e reconhece sua beleza (a mera lembrança dessa cena me trouxe lágrimas aos olhos).

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É justamente nesse mundo dominado por homens, onde até a Mattel, responsável por fazer uma linha de bonecas para meninas é exclusivamente comandada pelo sexo masculino que Ken descobrirá o patriarcado. Encantado com a ideia, ele tentará implementar os “novos” ideais em Barbieland, tirando as barbies de seus cargos de poder, tomando suas casas dos sonhos e transformando o lugar num antro de masculinidade tóxica, tudo com a conivência das bonecas que sofrem lavagem cerebral.

Caberá, então, à Margot Robbie (Babilônia) e America Ferrera (Betty, a Feia) o papel de desconstruir essas moças através do discurso, é assim que os roteiristas Greta Gerwig e Noah Baumbach (História de um Casamento) encontram espaço para diálogos expositivos que precisam ser ditos, sem que a verborragia se torne um problema narrativo, já que está perfeitamente justificada.

Provando que o diálogo salva, as mulheres retomam ao poder e decidem que nenhum Ken ou Barbie irá mais viver nas sombras, a protagonista então escolhe não ser mais boneca e abraça as imperfeições da humanidade, deixando para sua audiência, em especial a feminina, o recado de que não precisamos ser como aquele ideal que nos foi vendido, é ela quem precisa ser mais como nós. Antes de tomar essa decisão, Ruth Handler responsável por idealizar a Barbie, mostra para a boneca toda beleza da vida real, dos pequenos detalhes aos grandes momentos, em uma das passagens mais emocionantes do filme.

Na última cena, que desde já arrisco dizer que se tornará um clássico moderno, Margot – que agora trocou seu salto alto por sandálias confortáveis – se prepara para enfrentar sua nova realidade, ela sai do carro cheia de confiança e entra num prédio, levando o público a acreditar que irá em busca de um emprego, quando ela anuncia “estou aqui para ver minha ginecologista!”.

Essa aventura ao autodescobrimento tem quase duas horas e se mantém bem-humorados durante todo o tempo, alternando momentos de felicidade com momentos de extrema delicadeza – que me tiraram lágrimas nas três vezes em que vi o filme. Mas a mudança tonal não é abrupta como ocorre em Guardiões da Galáxia 3, a intenção não é interromper momentos tensos com piadinhas fora de hora que esfriam a emoção, impedindo que qualquer coisa tenha profundidade mínima, pelo contrário, aqui existe um cuidado em lidar com todos os sentimentos humanos passando por seus extremos de maneira orgânica, a personagem de Robbie resume bem a sensação em uma frase: “é doído, mas é bom”.

O filme se constrói a partir de referências à outras obras cinematográficas (a exemplo da cena de abertura que remete à “2001: Uma Odisseia no Espaço”) ou pinturas (como quando a criadora da Barbie lhe passa uma xicara de chá e seus dedos se tocam em alusão ao quadro “A Criação de Adão) nas medidas exatas, sem nunca perder a sua própria essência e autoralidade, essas menções servem para enriquecer a obra e não ditar seu valor, é dizer, o fan servise não serve como tapa buraco para um filme vazio, pelo contrário, só destaca o conhecimento e domínio cinematográfico de sua realizadora. A metalinguagem também é um elemento bastante utilizado, mas na dosagem correta, mostrando-se uma obra consciente, sem abusar do recurso até que ele se torne cansativo.

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Mas para não dizer que tudo é cor de rosa, o longa se perde – e me perde – quando tira o foco da Barbie, e dá protagonismo excessivo ao Ken, ainda que Ryan Gosling entregue uma das melhores atuações de sua carreira e ofereça cenas divertidas, elas não funcionam tão bem no conjunto da obra, que perde tempo demais com ele. Não consegui me importar minimamente com os dramas do personagem, e se a cena em que ele desabafa na casa dos sonhos sobre o como é difícil ser Ken – no melhor estilo Mia Colucci – tivesse sido completamente removido ela não faria a menor falta. Ainda bem que, ao menos, a realizadora optou por não oficializar o casal, deixando Barbie livre para explorar sua humanidade no mundo real.

Barbie é um casamento improvável entre os cinemas camp e blockbuster que em teoria não deveria funcionar, mas como é dito no filme da concorrência (Oppenheimer) a teoria só te leva até determinado lugar, e Greta Gerwig mostrou que na prática tudo é possível nas mãos da pessoa certa.

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Raíssa Sancheshttp://estacaonerd.com
Formada em direito e apaixonada por cinema
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