Chernobyl: O Filme se submete dentro de uma abordagem filme-resposta russa a polêmica série da HBO sobre o desastre nuclear ocorrido em 1986. É com certa direção de onde e como acertar que programa suas respostas para contra-atacar a visão estadunidense, ao passo que escorrega na realização individual enquanto obra, ficando à sombra quando poderia usar das qualidades para demonstrar o potencial de contar seu lado da história.
A principal virtude está no tratamento com o ambiente pré-desastre de um lugar contemporâneo, cheio de cores destacadas e um sentimento de avanço social bastante presente na antiga União Soviética. Não pretende apontar para culpados ou criar espantalhos soviéticos com arquétipos de vilões, nem de usar do espaço de maneira opressora, como diversas vezes foi demonstrado na série. Compreende bem o momento de prosperidade para criar o sentimento de desolação após o acidente nuclear.
O bombeiro Alexey Karpushin, interpretado por Danila Kozlovky – que também dirige o filme-, tem a construção altruísta para celebrar os homens que se sacrificaram pela contenção dos níveis de radiação na usina. Embora o símbolo heroico dite o contexto, isso não o exime de ser uma pessoa com comportamentos reprováveis no papel de pai e marido. Tal complexidade intui até outro significado aos seus momentos heróicos, podendo ser discutido se os faz por bravura ou por vontade de fugir de suas responsabilidades familiares. Tem-se a sensação de que os retornos a tal usina estão envoltos por um sentimento autodestrutivo, uma vontade implícita de tirar a própria vida pelo peso das ações.
O homem enquanto objeto efêmero age contra a força implacável do inesperado e, usando dessa situação desastrosa, Kozlovky faz dessa fragilidade uma possibilidade de criar momentos genuinamente aterrorizantes. O diretor sai de uma aproximação com a realidade e insere elementos expressamente sensoriais para representar a monstruosidade que estava se formando. Desde os pássaros caindo do céu numa lógica de mau presságio, ao uso da claustrofobia da usina e seus barulhos estrondosos, dando a sensação de estar perto de uma criatura invisível, o filme consegue situar o perigo constante em uma espécie de construção substancial por meio dessa espacialidade dominadora. De certa forma esse medo primitivo do desconhecido tira um melhor proveito e distanciamento entre as suas produções. Bem mais respeitoso que a própria série da HBO que constantemente exibia uma escatologia na intenção de gerar o choque pela imagem. Aqui, são momentos mais pontuais e de uma natureza mais subjetiva.
O que gera incoerência é o distanciamento provocado pela estratégia solidificada de ser uma resposta pronta. Não se consegue superar essa barreira constituída e os momentos de uma boa direção ficam apagados por um filme apático. Kozlovsky não consegue dar o devido peso às cenas e a escassez de ferramentas interpretativas tiram completamente qualquer possível direcionamento que poderia ter. Ainda tem o fato do filme se sustentar pela língua inglesa – o que não faz sentido numa produção completamente russa- e a falta de sincronia entre a fala e o que está acontecendo em tela. Parece que foi gravado, dublado (se for o caso da versão exibida) e editado em três filosofias completamente diferentes. Chega ser incômodo como alguns momentos são estruturalmente desconexos em tom, forma e linguagem.
Por ironia do destino, talvez a produção tenha caído na mesma lástima que assola o cinema norte-americano: o produto da fórmula. São claras e evidentes as tentativas e acertos de trazer para algo mais enxuto e a partir disso criar sua própria versão do acidente, mas também urge a necessidade de ser e se provar como contestação e isso o tira do controle. De fato, o preparatório para explanar as falas estrategicamente idealizadas assume diretamente a função de atingir os incomodados com a grande “conspiração soviética”, só que um filme não se faz apenas de ataques e frases de efeito (vide a constante de blockbusters tentando fazer o mesmo) e, assim, tem-se a chance de cair no ostracismo.