Em 1977, Marcelo trabalha como professor especializado em tecnologia. Ele decide fugir de seu passado violento e misterioso se mudando de São Paulo para Recife com a intenção de recomeçar sua vida.
É um filme que por mais que tenha uma história central em torno do personagem do Wagner Moura e seu drama em permanecer escondido, ele parece mais preocupado em estabelecer seu clima e ambientação daquela Recife em meio a ditadura.
Exemplo disso é uma cena envolvendo o personagem do Udo Kier, sobrevivente da segunda guerra mundial, ela não só serve como substância para retratar uma época maluca da memória brasileira, mas também para trabalhar a personalidade e características daquelas figuras mais importante e com propósito no filme até seu final. São diversas cenas que funcionam como uma representação daquele micro universo.
Uma comparação óbvia e recente, lembra bastante “Era Uma Vez em Hollywood”, não só na vastidão de personagens apresentados em tela, mas também esse desprendimento com a história principal e a não preocupação com o ritmo. Kleber filme de maneira bem paciente, deixando os personagens caminharem, pensarem, falarem. Tudo isso pegando cada detalhe de uma época repleta de apreensão e medo em cada esquina.

É uma mística muito bem representada, não só da época, mas da cultura envolvida. É algo já muito bem visto em seus filmes anteriores, e aqui ele aprimora isso. Ele continua com aquele deboche muito bem calculado contra os prepotentes sulistas e demonstra as diferentes opressões vindas de diferentes formas naquele Brasil, mas ainda sim trabalha um universo que não precisa escancarar que vive uma ditadura, a vida ainda sim acontece, o carnaval ainda está ali, as famílias, o cinema.
O fator que acaba pesando negativamente é o terço final e as trocas com a linha temporal futura(os tempos atuais). Não só é algo muito deslocado do filme, a personagem sem qualquer desenvolvimento ou explicação de seu interesse por essa história. E toda a perseguição final, que é boa, acaba sendo jogada fora por cortar aquele momento, mostrando o personagem de Wagner morto em uma capa de jornal, descartando-o como nada.
E a decisão de mostrar seu filho ao final do filme, crescido e sem memórias do pai, é frustrante dado tudo que vimos até então. É perceptível os poucos momentos que vimos Marcelo e seu filho ao longo do filme e isso é proposital para justificar o final e o esquecimento do filho sobre seu pai, porém é tão amargo dado a jornada de Marcelo. É um final que cai no convencional e tenta criar uma percepção sobre a memória que não funciona.
Todo o misticismo é dado principalmente por seus personagens. A figura da Dona Sebastiana, senhora que fuma um cigarro após o outro e vira sua mãe em 5 minutos é extraordinário. Não só rouba a cena a todo momento, mas é algo tão natural de se ver em tela que faz esquecer ser uma obra cinematográfica. O personagem de Wagner é algo propositalmente passivo com os acontecimentos em sua volta e está ali para testemunhar e tentar sobreviver, funciona mais devido seu carisma.
É provavelmente o filme mais ambicioso do Kleber, não só por causa do fator escala aqui, mas uma união mais complexa de todos os recursos que ele já usou em toda sua filmografia, desde as lendas urbanas nos curtas metragens até a memória das vizinhanças de uma cidade viva.


