sáb, 21 dezembro 2024

Crítica | Mais Pesado é o Céu

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Ainda que não seja a imagem que abre o filme, esta é uma que se repete em diversos momentos. Em um plano aberto, Tereza (Ana Luiza Rios) ou Antônio (Matheus Nachtergaele) estão observando o que poderíamos chamar de “horizonte”. Uma rápida busca no Google revela que horizonte é o campo de visibilidade de uma pessoa. Em outras palavras, é até onde nossos olhos podem alcançar. Ao chegar ao açude de Jaguaribara, no Ceará, essa mulher e esse homem observam um horizonte que, um dia, indicava a presença de uma cidade, com praças e casas. Naquele momento, porém, só se vislumbra o vazio, ou pelo menos uma imagem de um passado que foi se desfazendo aos poucos. Assim, Tereza e Antônio, como figuras sem passado, buscam no presente algum futuro. É quando um bebê chorando, às margens desse açude, parece ser uma chama de vida que inicia uma nova jornada.

Petrus Cariry transforma “Mais Pesado é o Céu” em um filme de horizontes e do horizontal. Embora essas palavras compartilhem a mesma raiz, podemos conjecturar significados distintos. O horizonte é o caminho pelo qual a narrativa conduz os personagens e, por consequência, o espectador. No início, somos informados sobre a presença de um assassino na estrada que corta a vasta paisagem, criando um alerta que serve como ponto de suspense ao longo de todo o filme. Supõe-se que, em algum momento, essa informação irá irromper na trama, alterando destinos.

É claro que esse suspense é criado através da trilha sonora e da forma como Cariry enquadra o personagem, sempre de costas. No entanto, seu trabalho mais interessante está na construção dos planos de estrada. Sempre que um dos personagens está distante do ambiente seguro — isto é, da casa da personagem interpretada por Silvia Buarque —, um carro passa pela lateral da imagem, seja com a velocidade constante ou desacelerando, criando uma tensão pela possibilidade de parada. Ora, se esses personagens, sem qualquer horizonte diante deles e sem futuro, veem um carro parando e oferecendo a possibilidade de levá-los dali, o que inicialmente poderia parecer um gesto de ajuda torna-se rapidamente um potencial perigo.

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Esse tom desesperançoso está refletido não apenas nessa alegoria, mas também na própria forma como a realidade social é traduzida em imagem. Se é para o horizonte que eles olham, cada enquadramento se preocupa em reduzi-los, fazendo com que o céu, de fato, se torne pesado e os oprima. Tanto Tereza quanto Antônio são posicionados nas laterais do quadro, acentuando a marginalidade, ou estão inseridos em molduras de portas ou janelas. Cariry domina a linguagem cinematográfica com habilidade, criando quadros que são ricos em beleza estética, mas que não se tornam meras imagens vazias.

Tal consciência sobre o desejo em relação ao que se vê permite construir cada momento como parte de um sequenciamento narrativo horizontal. Em outras palavras, cada interação e diálogo é fundamental para a construção dos personagens, cuja poesia se revela em suas falas, enquanto suas experiências são assombradas por um ambiente que não lhes permite olhar para o futuro. Nesse sentido, o filme assinala os papéis de gênero na busca pela sobrevivência. Enquanto o papel masculino é marcado por uma possibilidade incerta e, consequentemente, se torna um espectador de sua própria vida, o feminino se submete a processos de violência, abrindo espaço para questionar a desigualdade nas formas de luta.

E é na sequência final que os dois termos que ancoram este texto — horizonte e horizontal — se confluem. Se acompanhamos esses personagens até ali, numa montagem de causa e consequência, o horizonte da imagem não está mais voltado para o açude, mas sim para o próprio céu. O alívio do sofrimento através da violência, que remete ao Cinema Novo Brasileiro, desde Glauber Rocha a Nelson Pereira dos Santos, se torna uma chave de enfrentamento e esperança. No final, Cariry permite que uma porta se abra por meio de um grito libertário e gutural, e de uma violência purificadora. Ainda há esperança no final do horizonte.

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