sex, 26 abril 2024

Crítica | Miss França

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Como pode um filme ser tão complexo e tão simples em proporções iguais? É normal se fazer essa pergunta mais de uma vez enquanto se assiste um filme tão atual mas simultaneamente tão antigo como Miss França. 

A trama gira em torno de Alex, um jovem que passou toda a sua vida sonhando em ser Miss França. Ele passa por um conflito intenso e solitário, enquanto se introduz na busca constante e inacabável sobre a sua identidade. A palavra feminilidade permeia o filme de diversas formas e se torna seu assunto central. Alex tem consciência e abraça sua identidade feminina de forma tão linda e tocante, mas sofre com seu dilema constante pela busca de um rótulo; “eu não sou uma mulher, mas eu também não sou um homem”. 

Após perder os pais e passar a viver uma vida pacata e sem sentido, Alex vive em uma pensão rodeado de figuras femininas, e trabalha em uma academia de boxe cercado por figuras masculinas. No meio de tantas dualidades temos somente Alex; não feminino o suficiente, nem masculino o bastante.

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Depois de encontrar um velho amigo de infância, com sua vida e seus sonhos prestes a se realizar, Alex finalmente decide dar o passo inicial e concorrer ao Miss França. Com não muita relutância, os colegas de pensão de Alex, que agora são a sua família, o apoiam, e começam o processo para deixá-lo mais “passável” possível – fazer com que depois de tantos anos Alex finalmente pare de reprimir sua feminilidade e a deixe liberta.

Durante esse processo, o conceito de gênero e da feminilidade é abordado de forma constante e diversa. O maior exemplo disso é Lola, uma travesti que acolhe Alex de forma fraternal e o ajuda com as questões que envolvem o processo de liberar e performar a sua feminilidade. Com Lola, Alex também descobre sobre o martírio passado por diversas mulheres trans e travestis, que são diariamente submetidas a situação da prostituição, por não terem outras opções viáveis para se manterem vivas. E foi exatamente essa situação que levou a que Alex fizesse um discurso memorável e conseguisse o título de Miss Île-de-France, e fosse representar a região no tão sonhado concurso para Miss França. 

A partir desse momento os elementos que representam e simbolizam a feminilidade se tornam muito mais presentes na vida de Alex, que devido a frequente convivência com as demais misses acabou deixando toda sua masculinidade de lado e vivendo como uma mulher 24 horas por dia. Alex se sente feliz com sua nova vida, novas oportunidades e novas vivências, mas em certo ponto, Alex já não se sente mais ele mesmo. Alex sabe que não é uma mulher, e também tem completa ciência de que não se sente um homem. 

Saindo um pouco do roteiro, e entrando mais no porque esse roteiro ser especialmente tão singular; por mais que seja um assunto de debate constante nos últimos anos, a não-binariedade raramente é discutida de forma tão clara, tão autoexplicativa e tão viva. Temos muitas histórias que incluem pessoas não binárias, mas o quanto isso é realmente discutido no cinema? Temos muitos figurantes, personagens de apoio ou no secundários que após tanta crítica pela falta de representatividade são assumidos não-binários em uma nota no twitter ou em uma rede ainda menor, mas isso nunca de fato foi representatividade. Pouquíssimas produções antes dessa mostraram, explicaram e transmitiram o sentimento e a realidade do que é a não-binariedade. 

Mais do que um filme sobre gênero, é um filme sobre rótulos (e sobre a não necessidade deles) e sobre se descobrir, A fotografia acerta ao colocar em cores, formas geométricas e detalhes cenográficos, o que o nosso subconsciente já associa à feminilidade e à masculinidade, e ao misturar os elementos e ao mesmo tempo tornar tudo tão neutro quando o foco é Alex. A trilha sonora faz com que a imersão nos sentimentos e nas emoções mais profundas se torne ainda mais fácil e natural, e é impossível não se emocionar, se alegrar e em momentos tensos se entristecer, todo o sentimento é transmitido da forma mais aprofundada possível.

Talvez seja um filme que faça o terror de pessoas mais conservadoras, mas com certeza é um filme que pode quebrar a visão de gênero convencional e trazê-la como uma forma de repressão. Talvez não para todos, mas pelo menos para pessoas como Alex.

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