seg, 18 novembro 2024

Crítica | Rua do Medo – Parte 2: 1978

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O primeiro filme da nova trilogia de terror da Netflix, Rua do Medo: 1994 – Parte 1, parte de uma intenção curiosa: desenvolver uma mitologia própria a partir de uma iconografia lotada de referências ao cinema do gênero (em especial os slashers das décadas de 1980 e 1990) e, simultaneamente, criar um ambiente confortavelmente divertido/atraente para o público atual ávido por essa nostalgia de encomenda à – principalmente – Stranger Things

O êxito é apenas parcial. É justo dizer que o 1994 tem uma dinâmica um bocado funcional no tocante aos tropos do slasher, trabalhando o básico, pelo menos, com eficiência. Por outro lado, a criação mitológica em si é não apenas desinteressante como bastante genérica. Os personagens funcionam menos como pessoas e mais como cartilhas vazias de filme de modinha – o que não seria um problema se o drama não fosse levado tão a sério. Em maior e menor grau, todos esses problemas voltam na continuação, Rua do Medo – Parte 2: 1978

Netflix/ Divulgação

O filme dá sequência ao anterior exatamente do ponto em que ele havia parado. Deena (Kiana Madeira) e Josh (Benjamin Flores Jr.) vão à casa de C. Berman (Gillian Jacobs), com quem eles haviam falado no telefone, para pedir ajuda com relação à possuída Samantha (Olivia Scott Welch). Essa visita vai se transformar numa contação de história que leva o espectador lá para o final dos anos 1970. É apresentado o acampamento Camp Nightwing e os conselheiros, campistas e funcionários das cidades de Sunnyville e Shadyside que, após a descoberta de um livro e do ataque da enfermeira Mary Lane a um dos jovens, presencia um massacre orquestrado pela mesma bruxa do filme anterior.

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Netflix/ Divulgação

Apesar da fragmentação em vários personagens, Ziggy (vivida por Sadie Sink, mais uma vez ótima) é a real protagonista da história, carregando consigo a relação conturbada com a irmã Cindy Berman (Emily Rudd), os flertes com Nick (Ted Sutherland) e as brigas constantes com as outras jovens do acampamento. Quando as mortes começam, os arcos começam a se cruzar e, consequentemente, questões do passado vão se resolver em meio ao banho de sangue. 

Esse segundo filme até consegue localizar algumas set-pieces de horror mais estimulantes do que o primeiro. Ainda que a separação dos núcleos prejudique muito o impacto isolado das situações, o roteiro e a direção de Leigh Janiak, que dirige e escreve os três da trilogia, fazem o máximo para que as mortes não se tornem repetitivas nem (tão) previsíveis. O uso do gore é mais uma vez justificável em se tratando de um slasher (com referências óbvias especialmente a Sexta-Feira 13), mas não consegue esconder a sua autogratificação em ser malvadinho – em outras palavras, é uma violência gráfica que não consegue provocar o choque simplesmente porque não é articulada com qualquer sensibilidade visual ou tramática.

Netflix/ Divulgação

Na verdade, o real motivo de a escolha pelo gore soar poser é que Rua do Medo – ao menos essas duas partes lançadas até o momento – não parece um projeto pensado para brincar de maneira inventiva com as tradições do terror (como fez Wes Craven por tanto tempo e alguns slashers dos últimos anos) ou mesmo trazer de volta, num formato mais extenso, os elementos clássicos que já fizeram o subgênero tão popular. Parece que tudo foi feito em comitê de algoritmo da Netflix com base nesse gosto nostálgico duvidoso – dramas quadrados de adolescente emburrado um com o outro e histórias de maldição de universo compartilhado.

Não existe tensão palpável, perigo real ou algum tipo de espirituosidade justamente por causa dessa sensação de cálculo. Mortes que supostamente deveriam ser dolorosas de ver só atrasam mais o andamento de um terceiro ato interminável e com mais referências bem primárias (a de O Iluminado é constrangedora). Mesmo as subversões que a diretora/roteirista acha que está fazendo parecem esquemáticas demais: personagem dá um discurso inspirado só para morrer no plano seguinte. 

Netflix/ Divulgação

O pior é que realmente faz falta um microuniverso de terror que não tenha tantas pretensões além de fazer o seu trabalho, mas daí ter uma pasteurização tão grande como sobretudo este segundo tem, dá uma sensação enorme de desperdício de tempo. Com a trama do terceiro se passando séculos atrás, é possível que eles ainda consigam conceber algum tipo de particularidade cinematográfica que, de repente, eleve o peso dos anteriores, deixando algum tipo de saudade ou comoção. Até agora, no entanto, essa hipótese parece improvável.

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André Guerrahttp://estacaonerd.com
Recifense, jornalista, leonino consciente, cinéfilo doutrinador, agnóstico pagão e em constante desconstrução.
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