Certa vez, conversando com um amigo sobre o cinema brasileiro, refletimos sobre sua vastidão artística, tão impressionante, diversa, divertida e, ao mesmo tempo, profundamente política. Essa conversa me fez pensar sobre nossa história cultural e como passamos por períodos de apagamento da nossa arte, especialmente em momentos de descaso e desvalorização. No entanto, vivemos atualmente um período de pós-retomada, especialmente após a pandemia, com o surgimento de muitas produções de qualidade, tanto no cinema independente quanto no mainstream. Os anos de 2023, 2024 e agora o início de 2025 têm mostrado claramente como o brasileiro aprecia e valoriza o cinema nacional. Filmes nacionais vêm quebrando recordes de bilheteria, enchendo salas de cinema e mostrando que, apesar dos desafios, o público se conecta profundamente com as histórias que refletem nossa cultura, nossos dilemas e nosso jeito único de ver o mundo.
O brasileiro tem uma relação única e intensa com o cinema nacional. É inegável que há um afeto genuíno por produções que refletem nosso universo, nossos costumes e, principalmente, o nosso humor. Apesar dos esforços da direita brasileira em deslegitimar o cinema nacional e reduzir seu alcance, seja através de cortes de financiamento ou da desvalorização da nossa cultura como instrumento de crítica e identidade, o público continua reconhecendo o valor do que é feito aqui. Mesmo frente à hegemonia do cinema norte-americano, que domina as salas de exibição e cria uma dependência cultural, há espaço para filmes nacionais, sobretudo as comédias, que conseguem driblar barreiras e alcançar grandes públicos.
Nesse contexto, surge Viva a Vida!, o mais novo filme nacional que unifica humor e drama sobre vida e memória, capaz de emocionar algumas pessoas. Dirigido por Cris D’Amato, o longa acompanha a história de Jéssica (Thati Lopes), uma jovem que trabalha em uma loja de antiguidades e, por acaso, encontra um medalhão misterioso idêntico ao que sua mãe lhe deixou antes de falecer. Esse achado inesperado a impulsiona a embarcar em uma jornada transformadora. Jéssica se une a Gabriel (Rodrigo Simas), que afirma ser seu primo, e juntos partem para Israel em busca de respostas sobre o passado de sua família.
A comédia é, sem dúvida, o gênero mais popular no Brasil. Nossa cultura carrega uma tradição de rir das adversidades, transformando problemas sociais, desigualdades e até tragédias em material cômico. Cris D’Amato se aproveita dessa característica tão enraizada na nossa cultura e entrega um filme que abraça completamente essa essência do humor brasileiro. Viva a Vida! é, em sua essência, um drama carregado de emoções e temas profundos — mal aproveitados —, mas o que permeia toda a decupagem do filme é a comédia.
Viva a Vida! é aquele tipo de filme que não tem grandes pretensões narrativas. Sua história é simples, e a construção emocional parece, em alguns momentos, mais deixada de lado do que o planejado. No entanto, o humor assume um papel tão forte e bem executado que transforma essa simplicidade em algo admirável. O que Viva a Vida! entrega, acima de tudo, é uma comédia extremamente nacional – um humor que é muito nosso, repleto de piadas e gags que fisgam especialmente o público brasileiro. O cinema nacional, desde os tempos da Atlântida Cinematográfica nos anos 1940 e 1950, com as icônicas chanchadas, até sucessos mais recentes como Minha Mãe é uma Peça, sempre explorou o humor como uma linguagem universal, mas profundamente conectada à nossa identidade cultural. Viva a Vida! segue essa tradição, utilizando o riso como ponte para criar identificação e celebrar o que há de mais único no jeito brasileiro de contar histórias.
É através da comédia que o brasileiro se enxerga na tela de forma mais espontânea, seja no exagero das figuras caricatas, no retrato das classes sociais ou na sátira dos comportamentos cotidianos – e Viva a Vida! explora isso com habilidade. O riso, aqui, funciona como uma verdadeira catarse coletiva, transformando o cinema em um espaço de identificação genuína, onde o público reconhece suas histórias, seus sotaques e seus modos de vida. Enquanto o imperialismo cultural norte-americano tenta padronizar narrativas globais, a comédia brasileira (nem sempre) permanece como um espaço de resistência e reafirmação identitária. Viva a Vida! se insere nessa ideia, mostrando que o humor pode ser uma poderosa ferramenta para conectar o público à sua própria cultura, o que é minimamente curioso, visto que o longa desloca-se dentro de um novo espaço cultural, o de Israel, mas, mesmo assim, mantém muito presente a própria singularidade brasileira.