
ESTA CRÍTICA POSSUI SPOILERS DO FILME. LEIA POR SUA CONTA EM RISCO.
Mickey 17 se torna mais um exemplo na filmografia de Bong Joon-Ho de retratar a sociedade atual e orquestrar uma sátira (muito óbvia) sobre os principais arquétipos políticos. E com isso, ele ainda mescla comédia e aventura ao longo de uma interessante jornada, porém confusa ao olhar geral da obra. O auge do filme fica por esses momentos gostosos de comédia e essa brincadeira envolvendo os múltiplos.
O filme ganha bastante atenção ao explorar essa condição do protagonista em suas constantes mortes, praticamente se tornando um ser imortal. A diferença é que sua importância para aquela sociedade é puramente descartável, um boneco de testes de carne, e constantemente sendo lembrado que aquele é seu trabalho, ele leu e assinou os termos (não leu). E o personagem constantemente vai ser questionado por seus colegas e amigos próximos sobre a sensação de morrer, algo que nitidamente o incomoda, ele sente tristeza e vazio ao detalhar um pouco daquele sentimento. Em diversas partes do filme, Mickey será usado, e não apenas em seu trabalho, mas pessoalmente. Seja no auge do filme, o momento que sua namorada descobre existir múltiplos dele e amplia seu desejo fetichista ou até mesmo o momento hilário de negociação com uma colega rival que descobre os múltiplos e tenta ficar com um deles. Mesmo que não aprofundado e se perdendo na reta final, o nosso protagonista é constantemente usado e descartado, ampliando um sentimento de vazio para sua vida.
E em meio essa comédia e ficção científica, existe um cunho político de sátira já existente na filmografia do diretor. Aqui é algo mais óbvio e exagerado, o personagem do Mark Ruffalo numa mistura de falas e trejeitos de Donald Trump e uma ambição tosca à lá Elon Musk. O problema é que a atuação do ator fica bem esquisita, o exagero não parece combinar e fica algo bem esquete de canal do YouTube. Ao contrário da Toni Collete, que funciona literalmente como um ser aos ombros de Marshall e que vai alimentado com falas e manipulando as ordens e escolhas do personagem, fora isso todas as manias e desejos bizarros da personagem.

O show mesmo fica para Robert Pattinson, algo já esperado com os últimos trabalhos e uma versatilidade do ator. Ele entrega uma dualidade do Mickey 17 e 18 que convence tanto nas atitudes quanto até mesmo na voz. Enquanto o principal mescla o inocente, idiota e gentil, o seu oposto beira algo psicopata, revoltado e ardiloso, talvez sendo uma revolta depois de tudo que passou e se materializando naquele Mickey. A voz do 17 é impressionante, sendo irritante alguns momentos, mas causando uma dó com o personagem em outros. Já o 18 torna algo mais firme e frio nas falas, trazendo aquele desejo de ódio reprimido por ser uma cobaia viva. As interações entre os dois não conseguem causar estranheza em momento algum, a sensação é de ver duas pessoas idênticas, mas com personalidades completamente diferentes. Aliás, o filme traz essa condição de apesar do personagem sempre que volta é o Mickey tradicional e com as mesmas memórias, é pontuado pelo protagonista e seus amigos que cada versão traz um tom mais diferente do outro, seja alguém mais irritado, chato ou neste caso, psicopata.
E o filme fica confuso pois ele tenta mesclar política, sátira, comédia mais boba, aventura e uma reta final voltada a proteção animal. Seja nos relacionamentos, que alguns ficam apenas falados e com um sentimento de não desenvolvimento, exemplo disso é sua esquisita amizade com Timo que o filme perde o interesse em desenvolver aquilo propriamente. Seja na crise existencial do Mickey quanto seu trabalho e vida que perde força ao decorrer do filme e no final apenas conclui, mas não deixa um impacto com sua decisão de cancelar o programa de impressão de humanos. E os diversos momentos que o filme opera essa safira política, se utilizando especialmente do Mark Ruffalo, parece mais um esgotamento de algo que já entendemos onde quis chegar e desperdiçando tempo para desenvolver outros pontos importantes deixados de lado. Um exemplo mais limpo, é a sequência do sonho de Mickey ao final do filme que parece a princípio um novo conflito com os vilões do filme, mas acaba se tornando apenas um anseio sem objetivo para concluir algumas ideias e medos do protagonista, se torna mais um consumidor do tempo de tela do que um agregador em seus 137 minutos de longa .
De maneira geral, é um filme divertido e interessante, que acaba se perdendo em alguns momentos devido seu inchaço de temas que quer debater e mostrar. A performance de Mark Ruffalo é bem esquisita e fora de escopo, porém o resto do elenco é um banquete de carisma e conforto com o tom do filme. O diretor apresenta um misturado de comédia e ficção científica que é bem atrativo com o já conhecido do diretor, algo beirando a luta social de Expresso do Amanhã, a pauta de proteção dos animais de Okja, e uma comédia exagerada no estilo parecido de Parasita, nas devidas proporções.