dom, 17 novembro 2024

Análise | Acabou o cinema adulto em Hollywood?

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Decretado o fim de 2022, alguns números já alarmantes dos anos anteriores começam a ficar prontos para análise passado o período de pico da pandemia. A crise enfrentada pela indústria de Hollywood – que foi intensificada nesses últimos anos também pela expansão dos serviços de streaming – afetou produções de todos os portes, mas um segmento específico de estúdio que já vinha sofrendo um achatamento considerável em decorrência da hegemonia dos super-heróis acabou entrando em estado de extinção quase absoluta nos cinemas: o filme adulto de médio/grande porte não associado a franquias.

Justiça seja feita, o ano contou com ao menos um belo representante de sucesso desse segmento, a cinebiografia Elvis, da Warner Bros, dirigida por Baz Luhrmann, que teve um orçamento estimado em $85MI de dólares, passou a marca dos $150MI nos EUA e terminou com números globais em $286MI. Apesar das 2 horas e 40 minutos de duração, o filme conquistou um público grande, ainda que competindo nas mesmas semanas com grandes lançamentos que estavam em cartaz (Top Gun: Maverick, Jurassic World: Domínio), e promete chegar entre os principais na corrida do Oscar 2023. Mesmo que seja considerado um roteiro original (escrito diretamente para os cinemas), Elvis não deixa de causar uma comoção natural por ser sobre quem é e pelo excelente precedente do ponto de vista de negócios aberto por Bohemian Rhapsody e Rocketman – e ainda daria para colocar na conta do mesmo filão o sucesso de Nasce uma Estrela. O que significa que, em linhas gerais, nunca foi um risco tão grande assim.

Elvis (Warner/Divulgação)

A comédia original Cidade Perdida, estrelada por Sandra Bullock e Channing Tatum, teve um custo de aproximadamente $70MI e se tornou a primeira do gênero a passar a marca dos $100M de dólares nos Estados Unidos desde o começo da pandemia e rendeu à Paramount $190MI na bilheteria global. O terror de grande porte foi representado por Não! Não Olhe!, filme de OVNI de Jordan Peele, que se tornou o terceiro longa seguido do diretor a cruzar a marca dos $100MI domésticos, com $123MI nos EUA + $58MI ao redor do mundo). Já o suspense carregado de polêmicas de bastidor Não Se Preocupe, Querida, segundo longa de Olivia Wilde e protagonizado por Florence Pugh e Harry Styles, não foi nem de longe o sucesso esperado levando em conta os nomes envolvidos, mas sua produção de cerca de $35MI foi compensada por um resultado aceitável de $87MI ao redor do mundo.

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Em menor escala, poderíamos também citar o ótimo resultado que a Sony obteve com o drama romântico Um Lugar Bem Longe Daqui, dirigido por Olivia Newman a partir do best-seller de Delia Owens, que teve um orçamento modesto de $24MI e se manteve firme semana após semana até totalizar $90MI na bilheteria doméstica e $140MI no total. Do mesmo estúdio, A Mulher Rei, épico histórico estrelado por Viola Davis e dirigido por Gina Prince-Bythewood, desafiou as projeções baixas e se tornou o segundo filme de uma diretora negra a estrear em primeiro lugar, conquistando $94MI no total, apesar do orçamento igualmente considerável de $50MI.

A Mulher Rei (Sony/Divulgação)

(E, antes que surja o questionamento, o fenômeno Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, apesar de ter custado algo em torno de $25MI, não entra na conta 1) por ser um projeto da A24, portanto, considerado pela indústria filme de pequeno porte, e 2) por ser destinado em maior parte para o público jovem.)

Feitas as poucas exceções de considerável sucesso e as que mais se aproximam de uma retensão de danos, nota-se que praticamente todas têm ou o apelo do gênero (terror, épico de ação, comédia) ou a comoção por um ícone musical. Os conceitos originais de autor que fogem desses chamarizes – e que em uma década atrás talvez encontrassem espaço – deixaram as salas vazias, ganhando alguma sobrevida apenas no streaming. Em outras palavras, o filme adulto original de estúdio não teve vez na tela grande independente da grandeza das estrelas envolvidas, da força do nome do cineasta ou da escala de distribuição.

Ambulância: Um Dia de Crime, mais recente longa de Michael Bay e estrelado por Yahya Abdul-Mateen II e Jake Gyllenhaal, teve um orçamento abaixo da média do diretor ($40MI) e bateu apenas $52MI ao redor do mundo, deixando mais um prejuízo na conta da Universal que, no mesmo mês de março, viu o épico viking O Homem do Norte, de Robert Eggers, flopar com apenas $68MI no total tendo um custo de aproximadamente $70MI (ainda que tenha conseguido bons números depois, nas plataformas digitais).

O Homem do Norte (Focus Features/Divulgação)

Se o estúdio (Universal) não conseguiu emplacar filmes de grande apelo com o cinema de ação, os dramas “de prestígio” praticamente inexistiram: Os Fabelmans, de Steven Spielberg, vencedor do People’s Choice Awards do Festival de Toronto desse ano e um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme, teve um orçamento na casa dos $40MI e se tornou a menor bilheteria da longa carreira do cineasta, com apenas pouco mais de $10MI após várias semanas em cartaz. O drama jornalístico Ela Disse, dirigido por Maria Schrader e protagonizado por Carey Mulligan e Zoe Kazan, teve um custo de produção razoável estimado em $32MI e atingiu praticamente os mesmos números do filme semiautobiográfico de Spielberg.

Fracasso anunciado desde o seu parco marketing e conhecimento nulo por parte do público médio, o filme de fantasia adulta Era uma Vez um Gênio, estrelado por Tilda Swinton e Idris Elba e comandado por George Miller, teve um orçamento de $60MI e mal chegou aos $20MI terminada sua janela de exibição, marcando mais um fracasso comercial no histórico recente da MGM/United Artists após Licorice Pizza.

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Amsterdam (20th Century Stidios/Divulgação)

A Disney, porém, lançou o que foi considerado por muitos o grande flop de 2022: o thriller de comédia Amsterdam, estrelado por Christian Bale, John David Washington, Margot Robbie + um grande elenco. O filme dirigido por David O. Russell teve um orçamento estimado em $80MI e rendeu à 20th Century Studios pouco mais de $30MI na bilheteria mundial. Novo filme de Sam Mendes, Império da Luz, também da Disney, estrelado por Olivia Colman e orçado em cerca de $30MI, mal conseguiu espaço no circuito aberto em 2022 para poder contabilizar e tentará reduzir seu prejuízo na estreia internacional prevista para janeiro, cujas projeções são as piores possíveis.

Apesar de alguns mencionados acertos fora do padrão de franquia, a Sony também viu alguns números catastróficos nesse final do ano, primeiro com Irmãos de Honra, com Jonathan Majors e Glenn Powell dirigida por Justin Dillard, que custou ao estúdio cerca de $90MI e rendeu pouco mais de $20MI, enquanto I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston, de Kasi Lemons e estrelado por Naomie Ackie, custou $45MI para ser produzido e fez pouco mais de $6MI no fim de semana de estreia, no Natal, totalizando até aqui $13MI de bilheteria. E, junto à cinebiografia da cantora, estreou também o controverso e ambicioso épico Babilônia, de Damien Chazelle, com Margot Robbie e Brad Pitt, que teve de competir com o gigantismo comercial da segunda semana de Avatar: O Caminho da Água e, portanto, flopou de maneira retumbante com pouco mais de $5MI na estreia contra um orçamento entre $80 e $100MI.

Babilônia (Paramount/Divulgação)

Evidentemente, inúmeros projetos fora desse eixo original/adulto também deram com os burros n’água: Adão Negro, com Dwayne Johnson “The Rock”, foi mais um tiro no pé da Warner/DC, que investiu $200MI num projeto que mal chegou à dobrar esse valor (totalizando aproximadamente $380MI mundiais); o filme-catástrofe Moonfall, de Rolland Emmerich, fez menos de $70MI para um orçamento na casa dos $150MI; as duas principais animações da Disney lançadas no cinema foram fiascos históricos do gênero (Lightyear: custo de $200MI/receita de $226MI; Mundo Estranho: custo de $180MI/receita de $66MI). Mas os números deixam claro que é o segmento adulto – ou mesmo a busca pelo ingresso movido pelas estrelas de cinema – que está respirando através de aparelhos por ora.

São muito poucos os cineastas capazes de encabeçar conceitos autorais com grande investimento (Tarantino, Nolan e Peele são provavelmente os mais importantes atualmente) e quase absoluto controle criativo. Muitos outros tem também cacife para comandar produções grandes com assinatura, mas o espaço para que eles obtenham êxito comercial está se afunilando cada vez mais. A se ver o que 2023 reserva, mas as prospecções nesse sentido não são das mais animadoras.

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André Guerra
André Guerrahttp://estacaonerd.com
Recifense, jornalista, leonino consciente, cinéfilo doutrinador, agnóstico pagão e em constante desconstrução.